terça-feira, 9 de junho de 2009

Em torno das eleições

Se a tendência se confirmar, as eleições de Domingo mudaram o panorama político-partidário português.

Os principais partidos à esquerda do PS obtiveram mais de 21% dos votos, ficando a apenas cinco pontos percentuais do partido que lidera o Governo. Quem ganhou as eleições foi, no entanto, o PSD. E ganhou com uma diferença significativa. Mesmo não ganhando muitos eleitores, parece que, no contexto actual, com uma esquerda forte à esquerda do PS, cerca de 30% pode chegar para ganhar eleições.

Se este cenário se confirmar nos próximos actos eleitorais, teremos:

Presidente da Câmara Municipal de Lisboa




(Note-se que em Lisboa o PSD teve 29,41% dos votos, contra 25,62% do PS)

Primeiro-Ministro



164 828 pessoas votaram em branco. (Leitores fieis a José Saramago)
71 116 pessoas votaram nulo. (Sem dúvida os votos mais interessantes para analisar… pedidos de emprego? ofensas? declarações de amor?)

Abstiveram-se mais de 63% dos eleitores inscritos.
Só por curiosidade, a abstenção foi de 99,5% em São Paulo (total de 28 811 eleitores inscritos), de 99% em França (total de 53 234 eleitores), de 78% nos Açores (total de 225 552 eleitores) e de 59% em Paço de Arcos (total de 13 289 eleitores).

Há três razões principais para alguém se abster, todas legítimas:
- Protesto contra a organização do sistema político e a democracia. A razão certamente menos significativa em número, mas mais relevante em termos ideológicos;
- Impossibilidade de deslocação, forçada ou provocada. Por exemplo, quem decidiu viajar durante o fim-de-semana fez uma opção e não votou. Parece-me tratar-se de uma das principais justificações para o aumento da abstenção em eleições europeias.
- Desinteresse total pelas eleições. Aqui encontramos aqueles que se abstêm sempre ou quase sempre. São democratas – ou pelo menos querem uma democracia – mas não querem ser incomodados. A frase típica destes abstencionistas é: “Eles que façam o trabalho deles que eu faço o meu”.

É preocupante que o número de pessoas que se enquadram neste último grupo esteja a aumentar gradualmente, especialmente entre os mais jovens, porque significa que a mensagem de que todos temos de ser políticos – no sentido de participação nas escolhas e, portanto, na definição das políticas – não está a passar.


Mas é legítimo não ir votar. E a maioria das pessoas que não vota identifica-se com (ou pelo menos aceita com tranquilidade) uma vitória quer do PS quer do PSD.


Neste sentido, apesar da abstenção (e porque esta significa resignação e votos repartidos entre os grandes partidos), os resultados são válidos.

4 comentários:

ateixeira disse...

"É preocupante que o número de pessoas que se enquadram neste último grupo esteja a aumentar gradualmente, especialmente entre os mais jovens, porque significa que a mensagem de que todos temos de ser políticos – no sentido de participação nas escolhas e, portanto, na definição das políticas – não está a passar."

Sobre isto apenas digo que cada vez mais parece que fora o acto de votar não há muito mais participação na democracia por parte do comum dos mortais. Pode parecer radical ou excessivo, mas uma análise fria do que se passa pelo mundo fora de facto confirma essa tese.
Eu sou dos que penso que o voto não serve para nada e que democracia representativa não é democracia nem foi pensada para ser democracia! Democracia a sério deve ser em sistemas políticos de democracia directa, em que realmente todos têm algo a dizer e são escutados.

ateixeira disse...

E só mais uma coisa: como é que chegas à conclusão que quem não vota
identifica-se com (ou pelo menos aceita com tranquilidade) uma vitória quer do PS quer do PSD.

ateixeira disse...

E na continuação do comentário anterior uma vez que há limites de caracteres nos comentários:


Agora quanto à questão do não voto: não é só uma questão de haver indiferença relativamente a quem governa. Casos há de pessoa que não votam mesmo por uma questão de princípio. Nestas europeias não votei porque muito sinceramente a fantochada era demais. Muito mais forte que votar em branco por não me rever em nenhuma das opções (ou considerar que não sei o suficiente sobre essas mesmas opções de modo a poder tomar uma decisão responsável) é o facto de eu ser UE-descrente. E como eu outros há. Claro que tinha sempre a opção de lá ir e fazer as coisas de modo a que o meu voto resultasse em nulo. Mas dessa maneira estaria a dizer que concordo com o sufrágio. E não concordo.

ateixeira disse...

"Acho que a maioria das pessoas (que se abstém) não vota por desinteresse total no resultado de eleições em que se sabe à partida que ou ganha o PS ou ganha o PSD."
A meu ver aqui o que convém saber é a razão do desinteresse das pessoas. Não me parece nada natural que um acto que decida o futuro de tanta gente suscite tão participação. E sinceramente acho que a resposta a isto não é tão superficial como pode parecer à partida.

"Estou convencido de que se existisse a possibilidade de uma mudança de paradigma – entendendo como tal o sistema político em sentido amplo, incluindo a economia de mercado – mais pessoas sentiriam a hipótese de alteração nas suas vidas e teriam interesse em pronunciar-se."
As mudanças de paradigma político-ideológico-social são sempre trazidas causadas pelas pessoas comuns. Ao longo da história tal nunca foi fácil e teve sempre que enfrentar oposição muito dura, mas até agora tem sempre acontecido. E tem acontecido em situações muito mais violentas e opressoras do que as que vivemos em Portugal.
Um dos principais problemas a meu ver é que muitas vezes ouço as pessoas a falar do sistema e a culpá-lo de tudo e mais alguma coisa e não se apercebem que elas próprias fazem parte do sistema. E o poder das pessoas comuns para mudar os sistema é bem real. Não é fácil, não de hoje para amanhã, mas existe.

"Quanto à questão da relevância do voto, não concordo que se desvalorize totalmente o seu mérito na definição de (algumas) políticas. Mesmo que as pessoas não queiram escolher fora da dupla PS – PSD (ou, alargando, do quinteto que inclui também BE, PCP e PP), as linhas traçadas pelos partidos diverge em pontos relevantes, sendo o voto a forma de perceber a orientação dos portugueses. Tem também a grande vantagem de controlo da intervenção política, pela alternância, essencial a qualquer noção de democracia."
Para mim o voto é essencialmente nada e aí sou mesmo radical (mas sempre aberto à discussão). E o voto nunca foi pensado para dar qualquer poder de decisão à ralé. Antes pelo contrário. Sim o voto permite escolher algumas políticas, mas essas políticas não são as que interessam à maior parte da população. Por exemplo tratado de Lisboa: a princípio era para haver um referendo em Portugal. Depois mudou-se de ideias. Depois do não, via referendo, em alguns países lá vem o Barroso, armado em durão, a dizer que países que não ratificassem o tratado iriam sofrer represálias. E ainda remata que se por acaso o não ganhasse em Portugal fazia-se referendos até ganhar o sim. Isto é democrático? Isto é respeitar o voto?
Segundo exemplo: o TGV. Com o PSD no poder era toda a laranjada a dizer que era mesmo aquilo que o país precisava e que eram projectos daqueles que elevariam Portugal. A malta rosa cascava e dizia que não. Que era um desperdício de dinheiro e que para o momento presente de Portugal nada necessário. Cinco ou seis anos depois é ver o discurso a mudar. Quem está no poleiro a querer construir essas e outras obras e quem está de fora a rachar lenha. Porque será?! Deve ser devido à crise actual que o PSD mudou de ideias... Pois bem, Portugal está em crise económica há quanto tempo? Já o estava na altura e há-de continuar a estar depois de as feridas serem sanadas por esse mundo fora.

Esta digressão foi feita essencialmente para eu mostrar a minha opinião quanto à democracia representativa/parlamentar: que para além de continuar a querer servir interesses de uns quantos poucos não serve para muito mais. Especialmente em países como em Portugal em que a política é essencialmente pertencente a dois partidos.