sábado, 27 de setembro de 2008

Post inevitável

Eu te saúdo outono punitivo
sinal desse silêncio que me não permite
desistir de cantar enquanto vivo
Que o vento a névoa a folha e sobretudo o chão
caibam dentro do espaço da minha canção
Ruy Belo


Tem havido comemorações. Ou, pelo menos, a intenção de comemorar os trinta anos da morte de Ruy Belo. Bombardas e charamelas pelas ruas de Lisboa. Só tem faltado a cruz do infante, ou a ordem de São Felisberto de Espada a Tiracolo. Santarém organizou uma exposição na Biblioteca Municipal. Sem dúvida que se aproximou do efeito. O céu, dizia Borges, deve ser uma espécie de livraria. Onde cada um de nós possuirá cartão desconto total e ilimitado, acrescentaria eu, uma vez que o tempo não está para confianças em fundos de investimento. Celebrar a morte de Ruy Belo? Se querem saber o que penso, não conheço ideia mais infeliz. Aliás, devo dizer que este assunto é bem a chave da compreensão de toda a poesia. O poema resulta numa terrível vingança de quem, meus caros, se fartou de levar porrada. Portanto, haveria agora que comemorar a morte desses malogrados espíritos, dessas condoídas personalidades, por meio de uma caridosa reparação da sua voz. Nada mais errado. É que os senhores leitores, mais os presidentes das comissões de festas, mais os ministros da República, mais os gestores das Sociedades comerciais (que às vezes lêem meio livro) cuidam que ainda estamos vivos! Haverá situação mais hilariantemente ridícula? Que ainda estamos vivos… E a comemorar os trinta anos da morte de Ruy Belo. Lamento ser eu o portador da mensagem mas alguém tem que sair de madrugada para recolher a lenha do inverno… nós é que estamos todos mortos, mais ano menos ano. Quanto ao poeta, continuará por aqui, ainda alguns séculos, a comemorar a nossa inútil vida.

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