Nos intervalos das mais variadas coisas, incluindo raparigas que fazem saltar caricas com as mamas, este blogue tem refletido sobre os mecanismos de comunicação em massa, e para maior clareza analítica, tem recusado a espuma, manchada de petróleo, deste singular quotidiano, os ódios enquistados no alto da cabeça dos jornalistas, enfim, tem evitado a estrutura sociológica da nação. Ora, estes dias melancólicos foram palco para mais um desses sismos de notoriedade, nada mais, nada menos do que um sobressalto mediático no sistema blogosférico, o que constituirá, nos próximos meses, utilíssima experiência de laboratório. O caso conta-se em dez segundos. Um blogue excelente:
Gremlin Literario; excelente e largamente ignorado pela matilha (chamo desde já a atenção do público para
este magnífico texto sobre a cultura italiana, largamente ignorado). A dado momento, eis publicado, no referido blogue, um excelente post, de Margarida Bentes Penedo, sobre Mário Soares a propósito de Eusébio, um post bem escrito, intenso, claro, profundo, parcial (como deve ser todo o ponto de vista honesto, iluminista e democrático). O texto é transformado num fenómeno de fulgurante circulação nas redes sociais. Provavelmente (e arriscamos já um interpretação prévia sobre os dados acumulados por 35 anos de experiência da coletividade nacional a que pertencemos) apenas devido a dois simples mecanismos: a) o facto de um amplo conjunto de pessoas, onde se contam muitas particularmente influentes no país, nutrir um ódio profundo a Mário Soares; b) o facto de um outro amplo conjunto de pessoas, mas muito pouco influente no país, nutrir um particular ódio pela política, pelos livros, e por todas as pessoas que se assemelhem a leitores especializados de livros, o que por aleatória movimentação das coisas, sucede também ser o caso de Mário Soares, ou seja, um político odiado e espertalhão que, apesar de só por notável e profunda ignorância poder ser confundido com um homem culto ou lido, cruzes credo, acaba constantemente por ser tomado pelo povo como um intelectual. Quanto aos complexos labirintos da causalidade: pelo facto de a tocha ter caído sobre um fardo de palha não se deve deduzir que a tocha não tem ímpeto combustível ou eloquente brilho. Consequência: uma explosão de visitas, de impacto imprevisível.
Haverá nisto injustiça, casualidade, desproporção, mérito, mera repercussão das coisas serem o que são (olé)? Bem se vê como nos faltam conceitos (e se calhar coragem) para medir os movimentos do nosso mundo. Dizia um brilhante filósofo francês: estamos condenados a não compreender os textos produzidos pelo nosso tempo. Ora, neste nosso blogue recusamos aceitar essa condenação. Os textos do passado, filtrados pelo exigente e elitista Cronos, deus do tempo, são por nós amados com toda a força do nosso ser e entendimento. Os textos do presente são para nós o campo de batalha que nos recusamos a abandonar de mãos vazias. Por isso, é muito provável que os textos do futuro tenham algo da nossa trágica identidade. Acompanharemos o caso, como é da mais elementar justiça. E logo se verá se a curva de notoriedade pode ser forçada pelo mérito ou se está condenada à hierarquia autoritária, ditada pelo triunfo dos preguiçosos, vaidosos e ignorantes, sempre escondidos por esse enorme carrocel de feira, estridente e horripilante, a que chamam liberdade de informação.
Moral da história: ao contrário do que julgamos, não é o riso ou o raciocínio o maior abono de família da história humana. É o ressentimento contra os objetos do ódio coletivo. Sempre me pareceu que a humanidade estava fundada sobre uma espécie de
bullying socialmente tolerado. Desconhecemos o quanto a raiva e ódio impotente sustenta uma grande parte das nossas instituições. Quanto a nós, declaramos guerra ao imediatismo. Morrer sim, mas devagar.
Sem comentários:
Enviar um comentário