Não sendo eu um adepto do jornalismo desportivo - pois não há actividade humana mais imediata e efémera do que o futebol e por isso os atletas são hiperbolicamente remunerados, sendo justo que assim seja - não posso deixar de fazer uma incursão na psicologia social da derrota, algo em que nos temos vindo a especializar com esmero, sobretudo depois de Aníbal Cavaco Silva se ter transformado no player fundamental e duradoiro da geringonça constitucional de que fazemos parte ao menos como remadores de porão. É sobejamente conhecido por cada poro do nosso organismo animado o universal facto de sermos todos portadores de ódios particulares, intensos, resilientes, e não é pois necessário fazer prova da raiva nutrida pelo adepto sportinguista comum relativamente ao seu mais directo oponente e rival de sempre, a colectividade um dia intitulada por João Cutileiro os «Superportugueses do Sport Lisboa e Benfica» num artigo sociológico publicado nessa revista bizarra, O tempo e o modo, em que procurou fundamentar com dados empíricos, estupidamente objectivos, a abrangente fenomenologia da vitória benfiquista como mecanismo popular nos dolorosos e gloriosos anos sessenta do século XX.
Para lá das cento e dez grandes penalidades não assinaladas no jogo de ontem à noite, e colocando de parte as vinte e uma cartolinas encarnadas não mostradas diante das faces vibrantes dos atletas da Luz, o que sobretudo magoa os observadores apaixonados e adversários da equipa de Lima e companhia (equipa que lembre-se enverga camisolas da cor das papoilas saltitantes) é a espectacularidade imperial da vitória benfiquista, engalanada por um segundo golo em que o sentido da indignação e a estética moral do protesto, cozinhada em alto-forno durante quase noventa minutos de vãs esperanças, se estilhaça sem remédio perante o talento puro, a irreverência quase anárquica, a quase incompreensível e audaciosa irresponsável desorganização atacante, o controlo eficaz daquilo que conta num jogo (o golo), a harmonia frutífera e trabalhosa da correlação de esforços, o entendimento antecipado e a computação automático dos movimentos colectivos, o maquinal funcionamento com que cirurgicamente foi esmagado o pobre esforço de oposição daquela ridícula agremiação de jovens promessas lideradas pelo considerado senador do futebol português Jesualdo Ferreira (risos), ainda para mais alienados e iludidos pelas hostes portistas, injetados de entusiasmo por todos os comentadores e jornalistas durante toda a semana. O que sobretudo magoa todos os observadores e apaixonados rivais do Sport Lisboa e Benfica, somos forçados a repetir, é dinâmica corrosiva resultante do confronto com a incapacidade, a explosão violenta de impotência e o claro sinal de que nada há de mais doloroso do que o sofrimento nascido do desengano quando a realidade nos cai em cima com a sua cortante beleza. É quando os sonhos são sonhados nos cantos escuros dos quartos periféricos e húmidos, e alimentados por uma incrível pobreza de qualidades interiores e exteriores, é quando o desejo de vingança e vitória decorre de uma estratégia baixa e manhosa perante o acumular de humilhações e opções erradas, é quando a qualidade da harmonia e do equilíbrio corajoso triunfa perante todas as rasteiras estratégias de sobreviência fundadas em manobras de improviso e receio, é nesse imortal e redentor momento que as pessoas mais infelizes, frustradas e incapazes se revelam violentas e perigosas em toda a sua brutalidade. Neste sentido, foi para mim uma gratificante e refrescante shakespereana surpresa ouvir as apesar de tudo elegantes declarações de Bruno Carvalho, o homem em quem neste momento pesa toda a remota esperança de sobrevivência do Sporting Clube de Portugal. Mas temo que como em toda a organização decadente e em queda, o palco acabe sempre ocupado por pessoas da estirpe psicológica de um Rui Oliveira e Costa, apenas um apelido pendurado na parolice e no descontrolo contumaz, e pobremente um dos mais cristalinos exemplos das razões que nos trouxeram, a nós Portugal, ao triste local onde nos encontramos.
3 comentários:
pois bem, eu de bola não percebo um cú, se bem que acho o golo do gaitan algo de fenomenal. sim, golo de gaitan. nem sempre o gajo que empurra a redondinha para o fundo da baliza é o autor do golo. este princípio básico, de que o autor do golo nem sempre é quem o confirma, levaria a toda uma redefinição do quem é o melhor jogador do mundo (e não só, há também implicações políticas e cientificas importantes nesta poderosa ideia) sendo que, feita essa redefinição, todo aquele que ousa-se não colocar andrés iniesta no lugar que é seu de direito, apenas seu, e que até ao surgimento do génio do barcelona foi ocupado apenas e só por zinedine zidane, que sucedeu a maradona, que sucedeu a cruiff, que sucedeu a um gajo qualquer que não sei quem é pois que a minha cultura histórica não chega tão longe, só pode ser considerado maluquinho da cabeça.
mas o que me trás aqui são exactamente as declarações do possivelmente dopado bruno de carvalho. isto porque já aqui foram escritos textículos sobre tecnologia, relação entre máquina e homem e sentimentos e o caralho. se não foi aqui foi noutro sítio. mas como é aqui que estou, é aqui que vou então colocar as minhas ideias.
a enigmática declaração é esta:
"errar é humano, mas errar sempre para o mesmo lado já não"
http://www.record.xl.pt/Futebol/Nacional/1a_liga/Sporting/interior.aspx?content_id=817143
ou seja, para bruno de carvalho, errar é humano. tudo bem. mas errar sempre para o mesmo lado, já não. como, no entendimento de bruno de carvalho, joão capela, errou sempre para o mesmo lado, joão capela não é humano e será um andróide construído por luís filipe vieira com o intuito de, à vigésima sexta jornada do campeonato nacional de futebol da época de dois mil e doze, dois mil e treze, garantir a vitória do benfica sobre o sporting, permitindo assim que o benfica continuasse com quatro pontos de vantagem sobre o porto na véspera de se deslocar à madeira para jogar contra o marítimo. é isto ou então bruno de carvalho, não percebe o óbvio, que não há nada de mais humano que errar sempre, sistemática e propositadamente, para o mesmo lado, mesmo sabendo que está a ser cometido um erro, que está a ser quebrada a lei, ou que se está cometendo um acto moral e eticamente condenável (veja-se, por exemplo, a extraordinária relação que os adeptos portistas têm com a verdade dos factos e, consequentemente, com a estrutura do seu amado clube, cuja seriedade e honestidade ninguém ousa colocar em causa) o que significa que o sporting estará definitivamente com os dias contados, pois os seus sócios elegeram, para dirigir os destinos do clube no momento mais complicado da sua história, um ser humano com a inteligência de uma batata.
agora vou até à praia passear.
foi com esta que parti o cu: "pois não há actividade humana mais imediata e efémera do que o futebol e por isso os atletas são hiperbolicamente remunerados, sendo justo que assim seja" repito, parti o cu.
Apoiadissimo Dr. Alf!
PS embora a frase que partiu repetidamente o cu ao anónimo de Brokeback Mountain que me antecedeu não tenha sentido na economia do primeiro parágrafo.
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