Os caros leitores terão notado que a perspicácia deste blogue abrandou. Confesso que a situação não foi premeditada e que não existe em preparação nenhuma frente revolucionária que una os cada vez mais desistentes A causa foi modificada, Pastoral Portuguesa, Tolan, Gravidade Intermédia, e este mesmo blogue, O elogio da derrota, sendo que a ordem reflete a importância absoluta dos mesmos blogues para a resolução dos problemas gerais da humanidade e tal como na bela metáfora de David Hume, justamente colocada no final do prefácio ao seu Ensaio sobre o entendimento humano, é no final de todo o cortejo, o adequado lugar onde desfilam os bombos e as cornetas que devem encerrar qualquer honrado exército, lugar que não nos envergonhamos de ocupar na hierarquia de uma crítica que se recusa a conhecer freios, mesmo aqueles que possam vir a ser hipoteticamente colocados com o auxílio anatómico da sempre generosa Sofia Alves, a ilustre atriz que em boa hora processou uma famosa bloguer de sucesso.
Na verdade, este abrandamento simplesmente aconteceu, é assim, e talvez se deva confessar que uma parte do meu impulso para escrever neste local, com este limite disciplinar, e este universo temático, provém da interacção com as referidas penas (salvo seja) dos distintos autores dos blogues referidos, exemplos vivos da queda em grande estilo, e que agora se furtam a servir de inspiração aos pobres de todo o mundo, uni-vos.
Para contrastar com este melancólico post, comunico a todo o auditório que podem susbstituir a leitura diária deste blogue - os textos serão semanais até à finalização das minhas obras completas - pela recém editada obra prima, Speak - Memory de Vladimir Nabokov, como já devem ter notado, aquele volume verde e preto, Fala, memória, facultado pela Relógio de Água em troca de 18 euros, uma das últimas tentativas comerciais no domínio da arte no contexto do mercado português, com reimpressão da velha, mas excelente, tradução de Aníbal Fernandes. É curioso como muitas vezes as questões simples são cavalgadas por tentativas de complexidade, designadamente, como reconhecer um bom escritor. Simples, pelo ouvido. Aquilo que me tem oposto polemicamente a vários e distintos críticos da actualidade em matéria de crítica da literatura americana contemporânea, é simples e trivialmente tão americano com o mês de Abril no Arizona, para citar o inefável Vladimir Nabokov.
Isso mesmo foi demonstrado a semana passada, enquanto comia uma habitual chamuça e bebia a devidamente fresca imperial no café periférico, propriedade de um transmontano, instalado em Lisboa desde os anos 60 do século XX. A informação foi facultada por uma entrevista, gravada em Palermo, em Setembro de 1984, ao sempre bem humorado Italo Calvino. O autor de As Cidades Invisíveis - o mais extraordinário livro alguma vez publicado acompanhado das mais estúpidas referências e elogios na contracapa da edição portuguesa - discorreu nessa tarde deslumbrante sobre as suas preferências estílisticas, tendo por companhia a luz siciliana, essa cenógrafa brilhante, responsável por todas as nossas tragédias, sempre apostada em travar as palmeiras ondulantes, transformado-as em odaliscas ocasionais, muito quietas, vigilantes em fundo de cal, rodeadas por campânulas de buganvílias tão numerosas quantos os incapazes de compreender a beleza destas coisas.
A conversa foi depois publicada em 1987 sob o título Mal d'America - da mito a realtà, e traduzida em português pelo sempre incansável José Colaço Barreiros, no fabuloso livro de Italo Calvino, Um Eremita em Paris (Teorema): «Se tivesse de dizer qual é o autor destes anos que prefiro, e que também de certo modo me influenciou, diria que é Vladimir Nabokov: grande escritor russo e grande escritor de língua inglesa; inventou uma língua inglesa de uma riqueza extraordinária. É realmente um grande génio, um dos maiores escritores do século e uma das pessoas em que mais me reconheço. Naturalmente, é uma personagem de um extraordinário cinismo, de uma crueldade formidável, mas é realmente um grande escritor.»
(O sublinhado é nosso, meu e do Jorge Jesus).
Ó eterna simplicidade do amor das coisas belas, e da nossa insuperável tragédia em não compreender a necessidade de nos opormos à desordem, esquecendo a importãncia da coragem de lutar contra o sofrimento, coragem que, no fundo, é a única razão pela qual a vida merece ser vivida.
4 comentários:
Belo texto, mais um. Fácil de ler. Era escusado o Hume. Se querias mostrar erudição e falar da música que precede e acompanha as decadências devias referir (o melhor aliás é citar porque assim a erudição ensina em vez de chatear) o Kavafis no Deus abandona António.
Por falar nisso e em traduções o melhor tradutor português de todos os tempos quem é?
Belas fotografias mais uma vez. Excelente post em suma.
alf,
Espero que a leitura seja breve:)
não tão veloz como um Bloom:) mas mais veloz que um académico médio português.
Aguardarei com c-alma e alguma coragem :)
Ok alf… tudo bem!... eu também ando assim a dar para o fodaçe no modesto, anónimo e inútil ofício de comentar.
Ainda pensei que fosse a treta da astenia primaveril (aquela confusão que se instala nos genes das nossas células por esta altura do ano e as deixa às aranhas sem saberem se devem criar clorofila ou aumentar a produção de melanina), mas não. Simplesmente não me apetece dizer nada, nem sonhar com nada. Estou-me a cagar para a simplicidade das coisas belas, quero que se fodam as tragédias domésticas e que coragem de lutar contra o sofrimento vá morrer longe. É que nem me importo nada em deixar afogar o gato. Pró caralho… venha o meteorito.
É fodido, mas neste últimos dias, em que tanto me abrigo da chuva como recordo ao sol, só me vem à memória aquele aforismo batido… cristo morreu, marx também e eu já não me sinto nada bem… mas é que não me sinto mesmo nada bem.
Está bem está… quedas em grande estilo???!!!... quedas são quedas e o resto é conversa!!!
Vladimir Nabokov, Jorge Luis Borges, Italo Calvino?! Estes sim senhora, já me deram provas em demasia que são merecedores da minha confiança marota. ..
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