A prática é o critério da verdade, afirmou Jorge Jesus citando Lenine, mas a estupidez tática é o critério dos treinadores que não são capazes de manipular a concordância de géneros enquanto respondem às estúpidas perguntas dos jornalistas como provou manifestamente o sempre elegante e eficaz Pedro Emanuel.

"To my knowledge," says Philip Roth in conversation with Primo Levi, "only two writers of importance have been managers of paint factories," and for some reason I find this an almost beatifically pleasing assertion. The two he can think of are Levi himself and Sherwood Anderson - but in the interview reprinted in this wonderful book, Levi is able to come back with a third name: Italo Svevo, who was the commercial manager of a company which "supplied the Austrian navy with an excellent anti-fouling paint, preventing shellfish encrustation, for the keels of warships". 

Nicholas Lezard, The Guardian,Saturday 14 September 2002

Fazes-me lembrar um gajo que ao mostrar-me uma casa que queria vender me disse a propósito de um quadro giro que tinha na parede: "Como você sabe a evangelização da Rússia começou pela Crimeia...". 

Zé, comentador do Elogio da Derrota, numa das melhores introduções conhecidas à minha obra blogosférica

Never allow, or encourage the sycophants. Reward the critics. 

Lawrence Lessig, http://remix.lessig.org/

Embora apenas parcialmente de acordo com o princípio geral, não me furto à crítica sobre a eventual lentidão emocional das minhas abordagens shakespereanas. Também me parece evidente que não colocando eu aqui, para já, a minha obra estética, e sendo este um espaço de sátira moral e política dialogante, os maiores níveis de combustão da energia acumulada, devido à humilhante lentidão e obscuridade da minha vida pública, produzem os mais interessantes e escorreitos textos, onde se vislumbra o espasmo muscular do felino que acabou de arrancar para uma presa especialmente arrogante e lenta por oposição aos textos onde sobressai acima de tudo a pegajosa ornamentação do hipopótamo preguiçoso que se revolve no rio enlameado. Mas devolveria a parte da culpa que cabe aos leitores, pois sendo a comunidade dos comentadores o lado mais livre ainda que menos recompensador deste duo dinâmico que deve animar qualquer blogue (escrita-crítica), convém ter presente que a sensação de velocidade, ou a temperatura mental, experimentadas no contacto com os raciocínios codificados de um outro indivíduo, dependem também, e muito, do que se passa no sistema nervoso do decifrador. Em todo o caso, é perfeitamente justo reconhecer que temos aqui um problema em torno das minhas walterbenjaminices, um problema destacado pela nossa cada vez mais prestigiada galeria de comentadores.

Acontece que como todos sabem, não só a evangelização da Rússia começou realmente pela Guerra da Crimeia como foi Walter Benjamim a lançar, ainda que de forma tosca e pouco metódica (esquecendo por bondade a quantidade de efeitos nefastos devidos às doses maciças de sentimentalismo dócil na personalidade do autor) um olhar crítico sobre a importância dos aspectos técnicos na formação de mensagens. Descodificando: aceitando que a técnica é uma maneira confusa e pseudo-marxista de colocar o problema da previsão e do controlo artificial, e tendo em conta que o conceito de artificial se baseia numa tendência confusa e pouco eficaz de separar uma natureza, isto é, um organismo homogéneo, perfeito e auto-suficiente contra o qual recortar uma degeneração moral do suposto maravilhoso animal humano, a questão que muito reptilmente levantava a sua cabecinha verde, e escamada, no meu texto prende-se com as ambições totalitárias de escritores que usando as formas de reprodução da cultura de massas querem passar, como lobo em pele de cordeiro, por defensores da bondade; escritores entre os quais avulta o sicofanta, ainda que talentoso e trabalhador, repito, Gonçalo M. Tavares. Basta ver como naquele livro intragável de ostentação infundada, Uma Viagem à Índia, a obra chegou ao leitor já ornada com as devidas hastes de veado, gentilmente cedidas pelo velhinho Eduardo Lourenço, um gajo que tresanda a passado, a sedentarismo galopante, a sacristia.

Concedo também aos ilustres comentadores, inclinando respeitosamente a minha cabeça, que nada disto importa em face daquilo que sabemos sobre a única teoria científica da história que ainda levanta o pirilau, isto é, a seleção natural; basta manter a calma pois, a seu tempo, a própria generalização do computador pessoal e dos princípios estéticos inerentes a essa forma tecnológica farão gratuitamente o enterro de todos os hipócritas rabujadores do futuro, e sobretudo daqueles que acham digno da masculinidade travar o touro ferido que só por manifesta desigualdade das condições da luta, se sente incapaz de espetar os cornos no destino da nossa vida pública, isto para utilizar uma expressão cara a Natália Correia.

Como deve ter sido claro, a epígrafe que abre este texto, aponta para um interessante livro generosamente aqui recomendado por um dos comentadores, que não tive a oportunidade de ler ainda, mas que lerei em breve, onde mais uma vez se pode deduzir com clareza a excelência de Primo Levi, no inigualável momento em que este, concedendo ao pedante Philip Roth uma saída airosa para o seu absurdo comentário, faz mostra de uma urbanidade franjada de erudição, só possível de ser produzida no país de Leonardo, e capaz de arrancar o mais comovido aplauso a um Oscar Wilde ou a um Vladimir Nabokov. A verdade é que eu gostava de ser assim, sambando de sapato branco sobre o pântano das observações irrelevantes. Mas enquanto não  me junto aos Joseph Ratzingers deste mundo num qualquer lar de idosos, a esgalhar no pessegueiro, e espreitando pela porta entreaberta as ancas da doce juventude, ajoelhado diante da beleza que sempre há-de coroar o mundo*, resta-me continuar a hesitar com coragem entre as duas formas mais prestigiadas, e infelizmente recompensadoras, da infertilidade mental nativa, ou seja, o cinismo militante e auto-congratulatório e a histeria protestativa de cariz vagamente marxista, ainda que obnubilado e soterrado em toneladas de horas de utilização de horrendos objetos Apple Mac. Mantenhamos o nosso rumo, de pé sobre a coberta do navio, oferecendo a testa enrugada pela dúvida às ásperas gotículas que as ondas agitadas desta conjuntura histórica fazem rebentar a cada minuto, e demos, por agora, mais uma vez a voz aos prestigiados, generosos e insubstituíveis comentadores.
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*Havia aqui uma cena metaforizada que metia pétalas orvalhadas, uma coisa manifestamente pouco viril e que resultou de uma injusta associação cerebral entre o desejo e as obras completas de Oscar Wilde. Por recomendação da comentadora Izzy também retirei os nomes das figuras ilustres do último parágrafo como sinal de contrição e pequena homenagem à sistemática repressão que os nossos comentadores muito justamente exercem sobre a minha degenerativa tendência para o ressentimento.