terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Poderá existir uma má receita privada ou são sempre os mesmos a pagar a factura, ó filhos da puta: uma aproximação à salvação nacional mas de um ponto de vista lógico.

1.
Um gajo de quem eu nunca tinha ouvido falar, baptizado em Cristo com o santo nome de Alexandre Patrício Gouveia (provável descendente comum dos antepassados da Teresa Patrício Gouveia, sendo esta, por sua vez, conjuntural esposa do imortal Alexandre O'neil, famoso autor do por mim adaptado verso: à beta lunar há ir e nunca mais voltar) anda a passear-se por tudo quanto é canal televisivo sem que se entenda qual a razão do périplo. Sabemos apenas que a nota pedal da sonata com que tem presenteado os telespectadores consiste na famosa declaração: «o Estado é muito caro para a qualidade dos serviços que presta». Até aqui, tudo bem. Mas isto é como dizer: as bibliotecas das Universidades portuguesas são uma merda se tivermos em conta a estrutura salarial dos professores das ditas Universidades, ou seja, se me perguntarem o que penso da estrutura da despesa do ensino superior, a minha crítica vem armada até aos dentes com cálculos sobre o custo de oportunidade da qualidade docente, o que reflecte pelo menos a transparência deste tipo de crítica, tanto dos objectivos  como dos fundamentos, propondo-se implicitamente uma correção do problema (reduzir os salários dos professores transferindo esse valor para a aquisição de bons livros) com um ponto de vista claro, a partir de uma posição eventualmente interessada mas claramente falsificável, por implicar uma sugestão, baseada numa previsão de causalidade (qualidade dos livros, tamanho das bibliotecas = sucesso dos alunos) que pode ser estatisticamente testada. Claro que podemos discutir se o sucesso é garantir uma certificação do saber, mas aí meus caros leitores, a redução da despesa será o menor dos nossos problemas. Com toda a modéstia que me tem assistido, julgo que mantendo o funcionamento da República nesta esclerosada base constitucional, qualquer crítica da despesa pública devia pelo menos basear-se em pressupostos claros com os respectivos custos de oportunidade.


2.
Não é preciso relembrar que neste blogue se defende o assalto armado às principais instituições públicas, incluindo a RTP, mas convém no entanto relembrar que 99,9% da crítica política ao desempenho público mais não é do que juízo político injectado com os instrumentos do contabilista. Existe um problema nas ciências da contabilidade? Não. Mas que eu saiba é muito raro vermos um contabilista a dirigir uma multinacional ou qualquer outra empresa, e por isso, não vejo onde estão as vantagens dos conhecimentos de contabilidade para estimar e solucionar problemas de desempenho económico da República. Se os cursos de Economia e Gestão continuam a ser a base de recrutamento intelectual do grande capital - emergiu agora por breves segundos o Jerónimo de Sousa que há em mim - não vejo porque razão não havemos de aplicar esses mesmos métodos ao governo da República - pronto, já está tudo bem outra vez.

 
3.
Antes de mais, e faço desde já penitência na cinza como reparação desta minha ignorância, é supreendente que nunca me tenha deparado nos ditos debates e sessões jornalísticas com informações estatísticamente testadas sobre a correlação entre a redução da despesa pública e o aumento dos lucros das empresas privadas, pelo que não entendo bem qual o argumento da redução geral da despesa, e julgo que este aspecto particular tem sido sublinhado por algumas pessoas de bem, que no entanto não se conseguem fazer ouvir no meio da gritaria. Que existem operações financeiras e consumos, totalmente absurdos, para não dizer mafiosos, no sector público é um dado tão claro como o manto da Virgem, mas ainda ninguém provou consistentemente que exista uma correlação posisitva sobre a performance da economia agregada e a diminuição do consumo público, consoante a magnitude dos gastos do Estado seja rerduzida por uma transferência da despesa pública para a despesa privada, até porque separar um consumidor público de um consumidor privado individual é o mesmo que separar o meio dia das seis da tarde. Não será preciso lembrar que o significado da poupança é precisamente um dos temas fracturantes da economia - experimentem inserir no Google a expressão hayek the paradox of saving e contemplem depois a rebaldaria epistemológica - e que o apelo para o rigor técnico da economia neste particular, é o mesmo que procurar solucionar um conflito sobre a interpretação de um acidente rodoviário apelando apenas para o código da estrada. Por vezes, deparamo-nos com o conceito de neo-liberalismo mas conhecendo moderadamente uma imortal obra de Friedman, já aqui citada e disponiblizada, A Theory of the Consumption Function, em nenhuma das páginas vi escrita qualquer das parvoíces que se podem ouvir a tolos como Alexandre Patrício Gouveia, Vítor Gaspar ou António José Seguro, só para citar três dos tolos mais carismáticos.


4.
Seria curioso saber para onde vai a dita má despesa pública, procurando saber se a má despesa pública se transforma numa péssima receita privada, ou se o dinheiro desperdiçado (um conceito espectacular quando aplicado ao consumo) pelos Orçamentos de Estado e pelas conspurcadas mãos dos funcionários públicos não estará todo escondido debaixo do colchão de uma velha em algum monte isolado da serra algarvia. Eu diria que para saber se a despesa é má ou boa teríamos de medir alterações no que os economistas chamam custos de contexto, comparando o desempenho monetário das receitas resultantes dos dois tipos de despesa, e medindo as diferentes externalidades do consumo privado e da despesa pública. Rapidamente chegaríamos a conclusões mercantilistas, com campanhas ridículas do género «o que é nacional é bom». O tempo, como todos sabem, é o mais difícil problema filosófico, e por isso uma tremenda complicação em economia, sobretudo quando se pretendem separar temporalmente tipos de consumo e medir os impactos num mundo que mistura impiedosamente os impactos dos diferentes tipos de consumo, e nem é preciso recorrer ao lamaçal teórica da velocidade de circulação. Convém também relembrar que na própria raiz da ciência económica está uma confusão entre o significado do custo  a sua alteração com a passagem do tempo, e todas as discussões sobre despesa pública são quase sempre uma espécie de fotografia inicial de um salto para a piscina, em que ninguém está preocupado em avaliar a totalidade do percurso do salto, incluindo os resultados finais, e muito menos a hipotética magnífica pirueta encarpada do saltador, uma vez que a gritaria sobre a moralidade do risco implícito no salto e a admoestação sobre o facto de alguém se ir estatelar na piscina, ocupa todo o espaço disponível.


5.
Depois há por vezes um extraordinário argumento: não há dinheiro. Sobre este tema, por razões de pudor intelectual, salto em silêncio deixando uma sugestão bibliográfica clássica: Capital in the American Economy: Its Formation and Financing de Simon Kuznets,  assistido (ui) pela Elizabeth Jenks e publicado em 1961 pela Princeton University Press, acessível ao público no sempre publicamente gratuito e espectacularmente disponível site do National Bureau of Economic Research, uma instituição onde Milton Friedman, curiosamente, iniciou a sua carreira, e onde se pode também aprender qualquer coisa sobre a vida no excelente Winning the War: Poverty from the Great Society to the Great Recession,  onde os autores concluem que a economia pública nos E.U.A. reduziu a pobreza em 26,4% desde 1960 até 2010, sendo que a partir de 1980 (e claro que os autores estão a pensar no cowboy republicano) a redução foi apenas de 8,5 (olé).


6.
É extraordinariamente relevante da confusão intelectual em que labora o debate público nas democracias ocidentais modernas, que a cavalgada épica sobre os cavalares e alados conceitos de eficiência privada e despesa pública resulte num abandono à nascença do único debate realmente interessante - como podemos decidir colectivamente, e a partir de que escala, num mundo com muito mais rápidos e potentes instrumentos de comunicação -, o que tem levado à negligência do que neste caso, devo conceder, se prende inteiramente com a natureza constitucional da nossa identidiade como cidadãos (amen). Nós já não nos revemos no monolitismo do Estado-nação, independentemente de isso nos trazer mais ou menos benefícios materiais, ninguém tenha dúvidas, porque nem sequer consumimos maioritariamente produtos controlados pelo Estado; pelo que nem que o Estado fosse o Gandi, seria sempre acusado de desperdício e gordura. Como os economistas são os únicos que reunem o domínio das ferramentas estatísticas, o conhecimento sobre o apuramento dos dados macro-económicos, e a retórica da causalidade moderna, continuam a condicionar o debate em termos puramente contabilísticos porque não conseguem pensar economicamente um problema desta profundidade. Seria necessário ter lido Milton Friedman e Gary Becker, e com profundidade, o que ninguém em Portugal fez.
 
 
7.
O problema em debate decorre da falta de sentido político das novas comunidades que vão emergindo com fundamentos cada vez mais desligados da escola (e ainda bem), da Igreja (e ainda bem) da representação parlamentar (e ainda mal) e da própria cultura nacional (e ainda bem). Os benefícios do Estado português - que são bastantes - estão tão enraízados numa identidade administrativa estabilizada há três séculos e culturalmente consistente  há quase oito séculos que os custos desse mesmo Estado nos aparecem sempre como insuportáveis, tal como demonstra a tão acéfala e acrítica como popular denúncia do conjunto de bufos e filhos da puta que constituem o má despesa pública, numa orgia de posts em que não existe uma única ideia sobre a correção da despesa pública ou as diferentes consequências económicas das diferentes despesas denunciadas, uma coisa que daria trabalho, obrigaria a um compromisso político (ai a porca da política) e não permitiria ter 10.774 likes no Facebook e muito menos o vantajoso patrocínio da MEO-PT (ainda por cima ligeiramente disfarçado) essa espécie de gigante-referência da outrora má despesa pública, são do caralho as ironias desta vida. Na verdade, ninguém faz a mínima ideia de como solucionar esta merda, o que explica porque razão ninguém pretende trabalhar o problema ou investigar uma solução.
 

6 comentários:

Orfinho disse...

Sr. etade, isto há coisas do caraças, e não é que, instintivamente pois contas não é o meu forte, eu já tinha chegado à mesma conclusão. Conclusão n.º 2: mal por mal, ao menos não se matem as pessoas(como o genocida governo se esforça por fazer).P.S.(salvo seja) - pensei também em distribuir a dinheirama emprestada pelo número de habitantes do país mas reflecti melhor e iria agravar o problema.

F. disse...

Bravo! :)

Tolan disse...

Acho que esse blogue, o má despesa pública, é bom. Só o vi agora. Peço desculpa, mas serve um propósito muito claro e acho que cumpre. Não vi isso da PT-Meo e duvido que a PT se metesse numa coisa dessas...

meirelesportuense disse...

Esse Alexandre apresenta-se como um tipo equidistante mas como vemos de distante apenas tem a distante entre os interesses laranja e os interessantes restantes...O episódio da "garrafeira reserva" aberta no dia 25 de Abril apenas para que não caísse nas mãos da populaça é demonstrativo do amor destes energúmenos à generalidade dos Portugueses!
Tivessem as coisas fracassado em Abril e hoje Portugal era um enorme cemitério...

Anónimo disse...

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