«Os BMW vêm com uma prática espátula de carbono,
para descolar animais atropelados dos pneus ou da grelha frontal»
«Os artistas são todos mas é umas grandes... pombinhas; as que não morrem com bolotas (cof. cof.) entaladas no gargalo, levam, mais cedo ou mais tarde, com chumbo do grosso»
AM, num comentário ao mesmo post
Quem leu a incomparável tese de doutoramento de Kierkeegard sobre o conceito de ironia em Sócrates, sabe desde há muito o alçapão em que pode cair todo aquele que vê nas figuras de estilo - qualquer que seja o ponto de vista do escritor - um escudo eficiente contra os males do mundo em geral e da arte em particular. Um escritor banal como Henry James foi capaz de chegar à conclusão de que a única receita é gostar muito de cozinhar, pelo que tenho cada vez menos dúvidas - e o fortalecimento da minha convicção é proporcional às conquistas privadas que todo o dia imponho ao meu próprio carácter - sobre o que é isso de ser artista. Naturalmente, tal como um código funcional, o artista não pode definir-se sem um contexto apropriado. Qualquer que seja a função do artista, tem sido comum neste último século sublinhar a importância da ironia. Mas o prestígio adquirido pelo uso da ironia em relação a outros efeitos exuberantes e igualmente belos e profundos é apenas o sintoma do afundamento do indivíduo num ponto da história em que o triunfo dos sistemas complexos tornou aparentemente incompreensíveis os significados do mundo, o que é o mesmo que dizer que a era digital espera o seu criador de mitos (calma, estou a caminho).
O inevitável Northorp Frye fornece uma bela lista de comentários a diversos casos irónicos: Hester Prynne, em Letra Escarlate de Hawthorne (uma das mais impressionantes realizações de estilo), o Billy Bud do galáctico Melville, o Septimus de Mrs. Dalloway, da sempre confusa e atribulada Virginia Woolf (uma mulher de uma beleza física impressionante como diria Lobo Antunes mas a propósito dos homens, e porque já não encontra nada de mais original para dizer) os protagonistas das diversas histórias de judeus e negros perseguidos (o cego de Dorothy Parker pode incluir-se aqui) e finalmente os protagonistas das histórias de artistas cujo génio os tranformou num permamente Ismael da sociedade burguesa. A ironia é apenas o emblema sentimental de uma sociedade culpada que aceitou de uma vez para sempre que as injustiças são parte inescapável da existência.
Mas um artista (na perspectiva de uma pessoa que realiza a sua própria tragédia e a descreve à medida que vai vivendo) é uma pessoa que não teme o chumbo grosso (por isso há poucos), e também por isso jamais apertará a mão ao Presidente da República (embora nestes dias apertar essa tipologia manual possa ser meio caminho andado para levar uma chumbada) mesmo contra a receção do inevitável cheque, pois receber prémios e ironizar sobre o facto é muito feio e o artista não deve fazer a figura pouco viril de Thomas Bernhard. Um artista, do ponto de vista da minha obra como filho da puta, é antes alguém que dá um uso sistemático à espátula de carbono, em virtude do esmagamento massivo das coisas decorrente da velocidade implacável da sua mente, mas um esmagamento em que jamais se abdica do estilo, ou seja, o artista nunca abandona a ideia clara de que o tema da morte animal, ou qualquer outro, não tem qualquer importância a não ser como parte da sua obra. Parece que Proust gostava de torturar animais, o que é um sinal de absoluta distinção, e a mais clara marca da grandeza, o que imediatamente convoca o génio dos rapazes travessos perseguindo as moscas tal como os deuses nos perseguem a nós. Um artista é, portanto, uma substituição de deus. E toda a gente sabe o que acontece aos deuses nas histórias humanas.
4 comentários:
A ironia é a muleta fácil dos artistas medíocres.
(quando tiver tempo explico isto com mais detalhe)
http://www.youtube.com/watch?v=r-1O0pAw5A8
AM, a sua ironia é tortuosa :)))
get the picture
alma :)
nas letras e palavras de Tom Zé:
"vai ser sério assim no inferno!" :)
http://www.youtube.com/watch?v=OEZspbiCwKE
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