terça-feira, 30 de outubro de 2012

O modo de produção das lágrimas e a exploração capitalista da consciência: Lobo Antunes, paga ao teu povo o que deves porque é ele que escreve os teus livros. O leitor recebe ainda grátis uma sentida e justa homenagem a Vitor Paneira.

António Lobo Antunes, Público



«As pessoas que lêem não têm importância nenhuma porque em muitos casos podem fazer muito melhor do que eu, se tiverem vontade e condições para tal, assim nós sejamos capazes de inventar um sistema de preços adequado ao mercado do livro, que ponha os mais capazes de produzir literatura a serem remunerados numa organização que elimine com o máximo de eficiência as distorções na produção de informação (sobre o custo de produção) e relacionando a escolha editorial com a produção crítica acerca da qualidade do livro, e essa merda de livros que escutam e leitores que falam, num gajo que está quase a atingir os 40 romances e só se ouve a si próprio - números que pertencem a uma produção industrializada e com altíssima mecanização - é mesmo de quem já perdeu a noção do que anda aqui a fazer»

Alf, em entrevista a uma gaja tremendamente interessante
que acaba de passar movimentando as ancas felinas
em cima de uns saltos incrivelmente elegantes.
 
 
 
Em nome do pai, da mãe e do filho da puta, que sou eu, estamos aqui reunidos para cumprir a descodificação dos santos mistérios a que nos propusemos no fim de semana próximo passado. Quem é António Lobo Antunes para a literatura portuguesa? É, antes de mais, uma pessoa com quem aprendi muita coisa, aspeto com que o salvo generosamente, pelos séculos dos séculos, do esquecimento em que inexoravelmente cairia, não fosse a minha generosa e delirante vida um sucessivo festival de erros de decisão que me levou, antes dos 23 anos, a devorar integralmente, e por esta ordem, no metro ou nas absurdas aulas dadas por um ex-Capitão de Abril sonolento (sou obrigado a sublinhar, mais um vez, que isto é integralmente verdade), Tratado das Paixões da Alma, Fado Alexandrino, Não Entres tão depressa nessa noite escura, Que farei quando tudo arde, Boa Tarde às coisas aqui em baixo, o que naturalmente induziu, na época, alguma distorção na minha capacidade de análise das variáveis em jogo na minha pobre vida, uma vez que a oscilação das árvores, o voo descoordenado dos flamingos, as últimas ceias em paredes colonizadas por manchas de humidade, os naprons manchados por café, os passos dos avós pelo soalho, confundiam-se com a desarrumação lírica da minha própria cabeça. Esta coincidência entre os caracteres ficcionados e a sua realização efetiva num rapaz periférico que frequentava os transportes públicos - onde curiosamente nunca encontrei o filho de uma grande e putativa senhora burguesa, Lobo Antunes - potenciou um nível de identificação com os protagonistas da narrativa (peço desculpa a Vladimir Nabokov mas na época ainda não estava consciente de que isto não tinha importância nenhuma) que deixou durante muito tempo a minha personalidade artística a boiar naquela imenso lago de metáforas bizarras, incandescência emocional e desorientação inter-temporal.
 
 
 
 
Não vou torturar os leitores com análises semiológicas da escrita antuniana, pois para isso temos a velha carcaça da Alzira Seixo, pelo que passamos diretamento à análise do modo de produção capitalista dos livros. Os Professores de Literatura, em geral preguiçosos e muito ignorantes, costumam filiar os textos de Lobo Antunes em Faulkner - um autor de fama inconcebível -, às vezes vão até Virginia Woolf - uma gaja talentosa, e com o seu encanto sexual, e de quem tenho pena de dizer que falhou rotundamente o seu projeto artístico - deixando quase sempre de fora, para minha total perplexidade, o quase nunca citado Ulysses de Joyce, que é evidente e descaradamente a «voz» que Lobo Antunes tenta copiar desajeitada e escandalosamente. Os resumos Europa-América da história da literatura imortalizaram a conquista literária de Joyce como uma abolição das convenções narrativas, reproduzindo-se na folha impressa de Ulysses o universo caótico, arbitrário, das imagens mentais, bem como a organização anacrónica das impressões passadas, aproximando a representação «natural» da consciência humana da desorganização tribal pré-racionalista, daí também a invocação do mundo clássico de Homero, o tempo em que as gajas e as aventuras marítimas (no fundo a mesma emoção de ver «passar um barco rumando para o sul, brincando na proa gostavas de estar, do Tom Swayer da minha infância) aí estavam à disposição. Claro que Joyce, sendo um especialista em muita coisa, era relativamente ignorante em história grega, note-se que alguns dos mais relevantes estudos do mundo clássico do ponto de vista da economia do trabalho foram publicados nos anos trinta do século XX, quando Joyce já tinha finalizado o Ulysses e andava a tentar não levar com uma bomba dos alemães pelos cornos abaixo, e por isso, a idealização bucólica do mundo antigo acaba por passar implícita na demonização do urbano, se bem que o Diabo de Joyce, um indivíduo que renegou a fé, adquiriu um aspeto celebrante, carnavalesco e transformador, pois que tudo na sua escrita surge temperado pela monumental festa de vida que irá constituir o Ulysses.
 
 
 
 
Em Lobo Antunes, a profunda ignorância, acaba por resultar numa elegia frouxa, uma espécie de fado corrido mas com metáforas um pouco mais educadas. Esta atração pela liberdade anti-racionalista (isto era bom era quando a minha família definia o bem e o mal), anti-industrial (aí que pena os prédios que arruinaram as quintas da minha infância em Benfica) e anti-burguesa (o gajo tinha umas tias tão católicas que nem sequer conseguia bater uma punheta em sossego nos lavabos) são características absolutamente implícitas nos livros de Lobo Antunes, embora constituam tópicos enterrados sob uma montanha de metáforas e labirintos narrativos. Eis-nos chegados ao problema. Não por acaso, Lobo Antunes refere muito a experiência africana sobre o tempo, na nossa perspectiva ocidental, racionalista e científica, uma experiência desorganizada, patriarcal, violenta e não individualizada, sem uma separação clara dos efeitos individiais e dos efeitos coletivos na produção dos fenómenos mentais, o que não espanta numa cultura que ainda utiliza, em free style, a catana para resolver os seus problemas de organização social.
 
 
 
Que a separação entre a consciência individual e os valores culturais de uma dada organização social são o tema central da filosofia conemporânea, ninguém tem dúvidas. Que um romancista apresente isto como uma novidade nos anos 90 do século XX, e muito pior, que seja completamente inconsciente relativamente às implicações da sua própria confusão mental, fruto de um maior compromisso com a fama pública do que com um verdadeiro trabalho crítico da sua própria escrita, já me parece uma vigarice digna do major Valentim Loureiro.
 
 
 
 
Lobo Antunes parte da épica e monumental realização do Joyce, mas como médico formado à pressa, e sem o repertório de cultura clássica, utiliza a ideia narrativa que hipnotizou e levou ao falhanço Virginia Woolf, a malograda escritora amiga de John Maynard Keynes, e que consistia na defesa de que era necessário considerar “the ordinary mind on an ordinary day.” Valha-me Deus que estas meninas eram jeitosas para casar (com mansões em charnecas verdejantes, cães de caça mais elegantes do que a própria rainha e bibliotecas luxuosas em salas aquecidas por lumes crepitantes forradas a madeiras exóticas importadas da Àsia à custa do sangue dos indianos) mas não percebiam um caralho do que diziam. Como é que um escritor define o que é uma pessoa ordinária ou um ordinário dia? Precisa de um sistema de valores que classifique o pescador de oleado amarelo de Ulysses como uma pessoa ordinária, ou a menina de Os anos que circula por uma carruajem na Londres de Oliver Twist, mas em qualquer dos casos, o «ordinário» já foi pelo cano, em primeiro lugar porque as pessoas ordinárias raramente atingem níveis de educação que lhes permita criar textos que perdurem no tempo - devo ser o primeiro caso na história da literatura, uma vez que o Saramago não conta porque tinha a servi-lo uma Igreja, o Partido Comunista Português - e em segundo lugar porque apenas numa visão classificadora e hierarquizadora existe uma ideia de ordem, um aspeto essencial para se poder considerar o que é ordinário.

 
 
 
Ora, é bom de ver que neste sentido, está tudo bem. Os burgueses escrevem romances burgueses e conservadores (quem tem lucro não gosta de oscilações de mercado), e atiram lá para dentro confusão suficiente para que se não perceba um corno do que querem dizer com aquilo. Se juntarmos a esta fúria psiquiátrica contra os pais ou mães - uma coisa comum a todos os doentes escritores adeptos da corrente ou fluxo da consciência - a profunda ignorância dos problemas históricos e filosóficos da humanidade, em cada ponto do seu conturbado gráfico evolutivo, temos um conjunto de romances cuja monstruosa propagação teve no caso português um resultado deprimente que originou coisas tão distintas, mas igualmente contaminadas nesta confusão estilística, como Daqui a Nada de Rodrigo Guedes de Carvalho (uma tragédia de auto-estima artística que chega a comover a forma como o homem se ajoelha sem dignidade perante o tosco Lobo Antunes) ou a obra completa de Margarida Rebelo Pinto (uma espécie de corrente da consciência, mas sem corrente ou movimento e uma consciência quase comatosa de tão lenta, além do total desconhecimento de Joyce, de Woolf, de Faulkner, enfim páginas onde convivem um muito escasso domínio dos truques de Lobo Antunes e um amplo domínio da burrice militante que costuma caracterizar pessoas que dizem muitas vezes «sei lá».
 
 
 
Quão longe estamos do arrumador de cavalos num teatro isabelino, e filho de um produtor de luvas, e neto de um criminoso condenado pela justiça inglesa, William Shakespeare. Pronto, pronto, deculpem a comparação. O ponto essencial é que a tentativa de reproduzir a tragédia individual do cidadão comum é uma total mistificação literária porque já devia ser uma edivência nesta altura do desenvolvimento psico-motor das ciências sociais e humanas que se o escritor conseguir dizer alguma coisa sobre si próprio está já na antecâmara aveludada e repleta de damas bonitas que se chama a imortalidade, ou se quiserem o mesmo raciocínio na versão do ex-seminarista de Nelas, e autor de Manhã Submersa, «a vida interia para dizer uma palavra, felizes os que chegam a dizer uma palavra». Aproveito este pequeno momento metafísico para aclarar uma influência decisiva mas não assumida por Lobo Antunes: Vergílio Ferreira, um mau escritor cuja obra tenho a infelicidade de conhecer como a palma da minha mão e que foi dos primeiros a transportar a pseudo-consciência para o discurso narrativo em Portugal mas que inteligentemente Antunes pretende relegar para o esquecimento fazendo diversas vezes considerações sobre o mau feitio do quase-padre como se isso fosse uma classificação digna de uma pessoa que se considera si própria inteligente.



 
Coloquemos uma respeitadora e racional ordem no problema: a erupção da consciência na narrativa como uma pulsão democrática pretende dinamitar a colocação do mesmo problema de sempre (o trágico conflito entre cultura e personalidade) mas erradicando a perspetiva aristocrática e clássica, que funcionava através de uma ordenadora e esteticamente conservadora enumeração analógica das ações, ideias e emoções do narrador, que foi, por exemplo, o caminho trilhado por Ovídio, Shakesperare ou Proust. A consciência simulada é uma tentativa de democratizar a narrativa, porque no meio da confusão e da ilegibilidade somos todos igualmente burros: como é evidente, nada mais falacioso, porque não só a hierarquização é mais violenta, uma vez que tendem a preponderar os argumentos de autoridade em face da obscuridade (veja-se a rapidez com que os abutres universitários atacaram a edição de Lobo Antunes) como os efeitos de escolarizaçao do estilo são mais devastadores (e veja-se a quantidade de pessoas a escrever «à Lobo Antunes»). Em Ulysses, Joyce faz a mesma coisa, mas claro, de forma elegante, chamando a atenção para o seu próprio estatuto como escritor ficcional, o que automaticamente revela a sua posição, e os seus constrangimentos como actor mas também como vítima da história, e a passagem daquilo que se chamava o romance a uma forma moderna de épica, aponta para a ridícula figura do século XIX ao querer naturalizar a consciência numa forma muito específica de realização social, em torno do chá das cinco, do estudo e observação dos movimentos da bolsa e do comércio internacional, e do competitivo e excitante mercado matrimonial.



 
Todos os livros de Lobo Antunes são construídos com alguma imaginação metafórica, embora muito desajeitada em alguns casos, mas numa totalmente estéril reprodução da linguagem joyceana. Vejamos numa entrevista recente, como Lobo Antunes encobre os seus segredos de oficina mental - o que seria imporante discutir - por uma mistificação absurda da sua profissão. Segundo a notícia do Público:

"Não é meia noite quem quer" é um livro que (António Lobo Antunes) escreveu com "as lágrimas a cair". Estava-lhe a acontecer a frase certa, o que queria mesmo dizer. Um livro que se escreveu sozinho, não precisou de muitas correcções e que lhe pareceu "um milagre" como só lhe tinha acontecido com "Explicação dos Pássaros", em 1980. O que já não lhe aconteceu com o romance que escreveu a seguir (acabou-o há um mês) e deverá ser publicado em 2014. "Não é meia noite quem quer" é um livro que escreveu para que pudesse "correr com a morte". É aquele livro de que gosta mais e que considera o mais autobiográfico. "Tenho a impressão de que estive a falar de mim o tempo inteiro, ali se descobre o autor do princípio ao fim do livro. É espantosamente autobiográfico".



 
Foda-se, três mil vezes caralho. Será preciso um gajo cobrir Portugal de livros todos iguais para chegar à velhice e descobrir que o livro de que gosta mais é o livro onde fala de si próprio? Será preciso um gajo sentar-se à secretário à beira da morte para escrever com as lágrimas a cair? No meu caso, ainda não tinha passado a adolescência e já escrevia com lágrimas a cair por muitas e diversas razões: escrevia com lágrimas a cair pela efeito harmónico com que o pensamento se desenrolava em imagens passíveis de serem pintadas com as cores implícitas nas associações de ideias (cumeadas de montanha, o estrondo dos comboios em estações noturnas, o coloridos estridente do monstro popular nos estádios, as praças chuvosas da velha Europa central onde os hieráticos soldados partilhavam o céu de chumbo com o cabelo dourado de meninas tristes com quem eu sonhava o Verão inteiro, fechado em vales repletos de milho, mineiros e velhas analfabetas vestidas de preto) escrevia com lágrimas a cair porque nem sempre as listas de material escolar eram devidamente executadas a tempo de evitar reprimendas públicas; escrevia com lágrimas a cair porque os meus pais não eram ninguém e comovidos com a nossa tragédia se desfaziam em acidentes de trabalho e a assistência humilhante à decadência de velhos generais, isto para evitarem pensar muito, e libertar os filhos da roda mortal da reprodução social, e eu tinha perfeita consciência do que isso significava; escrevia com lágrimas a cair porque o ódio e a inveja se alimentavam da minha carne e a expressão cantante e seletiva de palavras libertava como que por magia uma dignidade estóica que me salvava da degradação e me abria a fabulosa arca de méritos artísticos que é o sistemático cultivo da culpa própria; escrevia com lágrimas a cair por ser medroso e sofrer a incrível pressão do animal que se perdeu dos seus instintos de sobrevivência; escrevia com lágrimas a cair porque me parecia evidente que estava completamente fodido, e se pretendesse salvar o meu excesso de sensibilidade com uma carreira literária, os meus conhecidos ou os amigos do meu pai, que não eram catedráticos de Medicina Psiquiátrica, nem Presidentes da República, mas concertavam motores electro-mecânicos, não pareciam muito entusiasmados com a possibilidade de eu escrever um livro; escrevia com lágrimas a cair porque era muito claro que existiam lágrimas na natureza e tristeza no coração das coisas mas nada disso teria a mínima importância porque mortos ou vivos não existe nenhum ser imortal para lembrar e celebrar diligente a nossa passagem no mundo, pelo que só nos temos uns aos outros, o que não é pouco, e a consciência da beleza humana erguida precariamente num horizonte de destruição, concorria ainda mais para que as lágrimas corressem na minha face.



 
Mas que importa que hoje ou ontem tenham existido lágrimas na nossa face? Há lágrimas a cair em todas as faces, há sofrimento a produzir-se em todos os corpos do mundo, há declínio e humilhação a penetrar em todas as mentes, e a história, sendo um «pesadelo do qual não conseguimos acordar», continuar a desdobrar as suas patas de ferro, deixando para trás a confusão de lágrimas e lama de que já falava S. Agostinho. Continuaremos a laborar impotentes e medrosos na elegia do nosso desgosto, confusos perante as brutais «líricas rodas da vida»? Continuaremos a falar do humano esmagado pela disputa do protagonismo nos sistemas de cultura, despromovendo os que falham - e que são tão valiosos como os que acertam - para o melancólico e obscuro lugar da lírica? Não seria altura de falarmos de nós próprios, o que implica continuar a narrar mas agora a partir do local onde se produz a confusão - a nossa mente - e não simulando a confusão que imputamos aos outros, para naturalizar um conjunto de erros que só a nós pertencem? Em suma, é preciso encontrar D. Quixote e dizer-lhe que conhecemos um bom médico.


 
Claro que isto não é possível porque os outros são tão pouco o fruto da sua consciência como nós o somos da nossa, e falar das coisas que nos rodearam, sem fingir que estamos a reproduzir diretamente processos mentais, é em muitos casos falar mais diretamente da consciência e revelar de forma mais elegante e verdadeira os processos mentais. Mas o escritor trabalha com a mentira, o que torna tudo isto muito pantanoso. Não temos nenhuma compreensão de nós próprios, não avançámos um milímetro depois de Platão (ok, avançámos um décimo de milímetro com S. Agostinho e meio milímetro com Rosseau), nem sabemos sequer em que medida as imagens mentais nos afetam, nem onde se traça a divisão entre o que realmente aconteceu no passado e nossa interpretação mítica do passado, onde as ações, as decisões e até a construção dos desejos culturais são reinventados a cada minuto. Está claro agora como a corrente da consciência é tão falsamente literária como a férrea ordem métrica de Homero? Simplesmente, o totem da consciência está mais próximo da nossa mitologia comunicacional, porque aprendemos a utilizar alguns dos processos estatísticos que parecem estar na base do cálculo e funcionamento do sistema nervoso central, o que automaticamente erigiu o computador biológico como deus ao qual sacrificamos o nosso coração e entendimento.




 
Dessa forma, cada vez fará menos sentido o caos de discursos emocionais e a vitimização histórico-racional, bem como o estilhaçamento do tempo, que a corrente da consciência trouxe ao discurso lírico. A máquina da literatura irá reorganizar-se, e tanto Calvino como Sebald são os cansados mensageiros que descem pela encosta com as suas trompas jubilosas. No caso do italiano, lançando a leveza, o jogo, a velocidade e a participação integrada de muitas inteligências na reconfiguração dos objetivos humanos, construindo um coração para que a potente máquina possa produzir tanto sentidos quantas as capacidades de transformar o mundo físico. No caso do alemão, reorganizando as relações da memória individual com a história, devolvendo ao escritor o controlo sobre o tempo, mesmo nos casos em que esse tempo aparece multiplicado pelos mil problemas emocionais levantados pelo choque entre os atributos do sistema nervoso central e a mecanização dos processos humanos (comboios, aviões, reconversões urbanas, deslocamento de populações, guerras). São muitos os caminhos e ainda mais os intrumentos que os meus queridos leitores têm à sua disposição, para podermos partilhar todos os mundos interiores que estiveram até agora fechados e manipulados pelas divas literárias que monopolizavam as ténicas de impressão, difusão e comercialização da literatura. Só temos que dançar sobre o túmulo do livro e aperfeiçoar o maravilhoso sistema que temos diante dos olhos, colocando-o ao serviço das nossas intenções. Nesse momento, já estaremos a ser vítimas de nova fúria classificadora e não será fácil inventar um efeito que a cada momento reordene a autoridade em função da crítica ou do próprio sucesso do discurso, mantendo em aberto a possibilidade de todos falarmos ao mesmo tempo. Mas em todo o caso, é isso a blogosfera. Não temos o paraíso mas temos uma ligação mais direta entre a visibilidade do escritor, o incentivo moral para que escreva (fruto do número de visitas e tipo de comentários) e a permanente abertura a outros concorrentes, tudo isto com baixíssimos custos de transferência de direitos de propriedade (será isto o comunismo?). Existe o perigo do caos, mas esse esteve aí desde sempre. Resta-nos limpar as lágrimas, deixar os velhinhos entregues ao seu próprio passado, e beijar as almas jovens que são sempre as primeiras a coroar os artistas.

12 comentários:

alma disse...

Lágrimas de júbilo escorrem-me pela cara abaixo.


Só um reparo :)O keynnes era amigo:) A VW não sei se teria capacidade para tanto :)

alma disse...

Keynes :)))

Tolan disse...

Ufff...
Agora vou reflectir. Mas sabes, em geral não devemos nunca prestar muita atenção ao que os escritores dizem em entrevistas. Isto é capaz de ser um cliché, mas o melhor Lobo Antunes são algumas crónicas no início porque pelo menos nela inclui a inteligência do sentido de humor que não existe nos romance e que transforma aquela pasta metafórica muito bonita numa coisa viva e comovente. Depois, também gostei muito das cartas de guerra do gajo. Na altura gostei muito do Fado Alexandrino, ainda li uns 4 há 6 ou 7 anos,mas as mais recentes tentativas de o ler esbarraram todas na impaciência perante aquele tom dominante de tristeza claustrofóbica.

Izzy disse...

Ahhhhhhhhh! Alguem me traga uma garrafa de oxigenio... nao...consigo... sem... folego. Bom, ja recomposta vamos entao proceder ao Resumo/Traducao para Portugues Dos Posts do Alf (util para quem nao frequenta as aulas e so quer passar ah rasquinha, sem ter que ir a oral):

1-O Alf ainda tem algum respeito pelo L.A., mais para nao ter que dar como perdidas as horas que passou a le-lo (em vez de apalpar mamas) do que por qualquer outra coisa.

2- Os Profs. de Literatura sao preguiçosos e muito ignorantes. Acham que o L.A. eh filho do Faulkner e da Virginia Wolf. Burros!

3 - O L.A. e o Joyce produzem efeitos coletivos na produção dos fenómenos mentais e usam catanas free-style para separar a consciência individual e os valores culturais de uma dada organização social.

4 - As pessoas sao umas ordinarias.

5 - O Rodrigo Guedes de Carvalho e a Margarida Rebelo Pinto sao tambem chamados ah baila, mas apenas como opostos polares do Shakespeare. So naquela.

6 - O Vergilio Ferreira foi outro que tambem impediu o Alf de apalpar mamas, por isso ele tem-lhe um po do caracas.

7 - O L.A. era esteril e por isso nao se podia reproduzir com o Joyce.

8 - O Alf era um chorao extremamente sensivel e os amigos do pai dele eram mecanicos.

A partir daqui, ja nao li mais nada porque tocou o telefone.

Tolan disse...

só mais uma coisa Alf, eu não sei se a inspiração do Lobo Antunes é o Joyce, mas o mais parecido com o estilo do ALA que vi foram os capítulos chamados O Olho da Câmara no Paralelo 42 e em toda a trilogia do John dos Passos. O gajo tem uns capítulos chamados O Olho da Câmara que são aquilo do 'stream of consciousness'.

Tolan disse...

.. e a narrativa fragmentada que salta de personagem em personagem e não tem um esquema linear também está lá, oh, devias ler, Alfie!

AM disse...

ui, as lágrimas (amargas) que praquí vão
experimente passar mais tempo com esses amigos do seu pai que isso paçça
quando ao cromo (o da bola, não o das cadernetas literárias), se não jogou pelo FCP não existe (smile)

Anónimo disse...

Boa noite a todos

Em primeiro lugar, quero parabenizar a alma pela constância, em segundo lugar, aceitar a recomendação de leitura do Tolan (da qual darei notícias), em terceiro lugar, recomendar à/ao Izzy a leitura atenta do post Marilyn ou Joyce onde explico com sobrehumana paciência porque razão a experiência sexual não é um elemento decisivo na formação da consciência, em quarto lugar, aconselhar o AM a observar vídeos do Youtube de Vitor Paneira, talvez o mais completo e equilibrado jogador depois de Jordão.

F. disse...

Talvez a expressão da própria consciência seja, de facto, um acto do ubermensch (não ao estilo de Zaratrusta) e para lá da maioria de nós (ora demasiado humildes - raros esses - ora demasiado confiantes). No entanto, penso que o génio literário (nada de Lobos Antunes e outros que tais) é capaz, por vezes sem o saber, de descrever a consciência daquele que o lê. Foi como me senti ao ler este post.

Capt. Paddock disse...

O meu interesse pela literatura em geral e pela humanidade em particular, impede-me de passar por este ensaio alfiano sem lhe responder. Por isso mesmo, esgalhei um ensaio sobre o tema enquanto via umas imagens da chuvada em Nova Iorque, ensaio que disponibilizo gratuitamente no meu estaminé.

Capt. Paddock (em tempos JMB)

AM disse...

fodaçe pá (dock)
deixa lá de mexer nas merdas do blogue
não se consegue ver nada!

chalana disse...

também quero um post.