quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A vantagem da cobertura dura é ser qualquer coisa entre a tartaruga-das-galápagos e um Silvester Stalone habitado pela sensibilidade de Keats


Melhor livro do mundo na categoria de produtos não ficcionados para pessoas muito acima da média.


Apesar de estar rodeado de hardcovers (reparem bem nesta cornucópia citativa digna de um José Pacheco Pereira ), tenho tido muitas dificuldades em adormecer desde que Carlos Pinto Coelho morreu, isto por não me ocorrer nada que fazer com os próximo duzentos anos de noites passadas na periferia de Lisboa, restando-me desesperar, consolado com o facto de, ultimamente, Pinto Coelho passar na rtp memória, geralmente recortado contra um horizonte de sobreiros, céu azul-piscina e restolho. Assim, faltando para efeitos de tranquilização mental os magníficos programas por si despejados desde África até à contra costa, tenho estado a debater-me com uma falta de sentido para a vida que não experimentava desde que Vítor, no contexto sociológico da Casa dos Segredos, quase cometeu violência doméstica numa casa emprestada, sobre uma pessoa de que niguém, alegadamente, consegue estabelecer o padrão de relação civil, colocando, tecnicamente, sérios problemas ao recém-reeleito bustonário (sic) da Ordem dos Advogados. Do malogrado autor do Acontece, salva-se o facto de ter sido o único retornado despedido por um prémio nobel da literatura, o que, convenhamos, não é coisa que aconteça todos os dias. Visivelmente preocupado com este pico de realidade na sua vida cultural, Pinto Coelho tratou de afogá-la em acontecimentos enrodilhados naqueles pantos que as senhoras africanas, transportando baldes de peixe nas manhãs da minha infância, costumavam trazer atadas à cintura, e com eles atravessavam o Cais do Sodré a caminho do rio, nunca percebi se para os vender se para os devolver à vida. Que fazer com esta insónia? Mesmo o facto de Defensor Moura ter hoje produzido um dos momentos mais tristes na história ocidental da imagem não deve ter produzido melancolia suficiente para me afogar o cérebro em isomorfina, uma substância que isola a mente de todas as preocupações. Nada nos vai salvar desta merda toda que nos rodeia, sabendo nós que Wordsworth não tinha o sentido do cheiro, e note-se que apenas o sabemos porque sua amada irmã no-lo revela nos seus diários (o que andam os cabrões dos universitários a fazer?), o que deve tê-lo poupado a uma série de estados ascéticos a que eu próprio bem gostaria de me furtar, neste dias que são os últimos, e apesar da escandalosa negligência de toda a bibliografia secundária entretanto produzida, sobretudo tendo em conta que, não obstante a importância da sensibilidade orgânica na produção de toda a poesia que não é papel higiénico, e do lugar fundamental do corpo na estética romântica inglesa, ninguém se preocupou em estudar o assunto, o que fica como demonstração de que devo continuar a enfrentar a história natural da parvoíce portuguesa, e talvez mesmo de todo o mundo, de forma absolutamente generosa, abnegada e individualmente considerada.


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