A normalidade é um conceito capaz de nos levar muito, muito longe, tão longe que temo que nunca mais regressaríamos desse lugar longínquo. Já que estou a intervalar a minha locomoção cerebral a fim de degustar um iogurte de baunilha e um pêssego careca, a normalidade pode merecer aqui alguns reparos. Não estou em desacordo com Lopes. A normalidade é, com efeito, um rolo compressor de todos exageros onírico-jornalísticos, sobretudo no domínio desportivo e quando estão em causa países com mais de oitocentos anos e que tenham contado entre as suas arcas memorialísticas territórios imperiais pelo menos em dois oceanos. Porém, seria normal que Ronaldo trabalhasse no sector de reposições de um hipermercado, que acumulasse poupanças para comprar o mais actualizadamente actualizado hi-phone, que assistisse ao forum TSF e se insultasse a si próprio, e ao seu inenarrável comportamento, para logo depois ir pregar nas fuças da segurança social ou das finanças uma monumental e cornucópica aldrabice. Seria normal que Ronaldo segurasse uma daquelas bandeirinhas laranja e mamasse, de tasca em tasca, os vinhos madeira, aplaudindo o chefe local, que alcançasse pelo menos o 9ºano e, respeitavelmente, desaparecesse na turba anónima dos portugueses enfurecidos com as suas próprias vidas. Mas não. A normalidade não aconteceu e isso ninguém perdoa a Cristiano Ronaldo. Ninguém perdoa que Ronaldo saiba mais de futebol a dormir do que Queiroz excitado por 37 cafés e cercado de ajuntos com bigode. Ninguém perdoa a perplexidade de Cristiano Ronaldo que, munido ainda com a auréola do respeito, relembre-se, tentou deter a marcha inexorável da normalidade, no momento da substituição de Hugo Almeida, gritando: «Assim não ganhamos, Carlos», na direcção de um aturdido e desconfortavelmente queirosiano seleccionador nacional. Com efeito, para quê cinema quando a realidade se ergue na sua magnificiente dramaticidade? Para os mais incrédulos, fica o Video.
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