No domínio mental onde procuro situar a concentração respiratória de todos os meus poros, sou cada vez mais acossado por dificuldades estruturais apresentadas pela realidade onde me situo, isto é, tenho tido dificuldades em adormecer perante a combustão imediata, mal afundo os cabelos oleosos na almofada branca, de um carrocel de ideias feridas por imprecisão sentimental, rigor estético e uma ambição ultrajante que é, em suma, uma incomodidade violenta com o meu universol mental, entidade tirância, despótica, com sapatos de fivela e cabeleira de rolos, de quem estou, literalmente, cheio. Se leio um jornal, entorpeço. Se abro um livro, sou humilhado. Se ligo a televisão, entorno a chávena do café nas calças vincadas. Todos estes problemas devem ser imputados a mim mesmo, e apenas a mim mesmo, uma vez que não existe outro responsável de mim mesmo que não seja eu mesmo. Embora me tenham falado de um corvo zarolho, ou seria um cão preto de tres patas? A verdade é que isso agora não interessa. Porém, não deixo de sentir uma brisa interior que quer soprar a responsabilidade destas dificuldades sobre uma outra personalidade, mais sombria, mais esquisita, mais defensora de políticas de reducção das prestações sociais, mais adepta de toldos listados, mármore axadezado e estátuas de gesso, estações periféricas, quiosques de jornais encimados por uma bandeira branca, esplanadas com cadeiras de ferro pintadas de verde, comboios que passam incandescentes carregados de mercadorias, gaivotas escanzeladas com o bico descolorido, janelas com grandes e outras instituições decisivas. Por outro lado, tenho pensado em administrar a mim mesmo uma boa dose de analgésicos, mas entretanto foi-me comunicado por escrito - um marco na arte de produzir bulas em forma de aforismo - que «a ciência não chega aonde dói.» Talvez a principal característica da modernidade, logo a seguir à compulsiva absolutização da ciência - normalmente levada a cabo por praticantes olímpicos de uma imponente e monumental ignorância científica - seja a absoluta relativização de tudo, incluindo os prodigiosos contributos da ciência para a atenuação substancial do sofrimento metafísico desses atletas olímpicos da ignorância, sofrimento que é em grande medida o resultado de práticas pseudo-labiríntico-libidinosas, desocupação e uma preguiça ancestral perante o rigor, tudo mascarado com o traje da inquietação metafísica e bem servido sob a capa de um académico inglês que tem sobre o seu tempo a visão que têm dodos os sacerdotes: incomodam-se com o mau cheiro, desconhecendo que o mau cheiro provém precisamente do seu bolorento e apodrecido aparato escolástico da realidade. Ainda assim, não tem doído muito e a ciência, graças a deus, tem chegado para verificar o funcionamento do mecanismo mental. Enchemos o peito de ar, sopramos algum alcatrão misturado com o polén primaveril e vamos riscando tracinhos na parede, até perfazer a contagem que dizem estar inscrita no livro secreto do nosso código genético, isto se entretanto não formos solucionados por um caminiosta embriagado a caminho de Nice, com um carrgamento de queijos de Niza. O comentário de Miguel Esteves Cardoso, no Público de hoje, caracterizando a filosofia defensiva do Inter em Camp Nou, foi um dos momentos genesíacos da minha biografia intelectual. Não me lembro de outro momento constitucionalmente tão fundador, pelo menos desde o minuto em que António Veloso puxou as meias, cofiou o bigode, e atirou à figura de Van Breukelen, na humidade cruel do relvado de Estugarda. «Without Diamantino at their disposal, Benfica played in a negative style with eleven men behind the ball for the majority of the game. PSV had most of the possession, but they were unwilling to commit too many men forward and the game lapsed into sterility.»
Esterilidade é um grande título para um romance, se o romance ainda fosse alguma coisa capaz de despertar a mínima reação capilar. Conrad e Copola enganaram-se. O problema não é o horror, o horror, é a esterilidade, a esterilidade de tudo.
Esterilidade é um grande título para um romance, se o romance ainda fosse alguma coisa capaz de despertar a mínima reação capilar. Conrad e Copola enganaram-se. O problema não é o horror, o horror, é a esterilidade, a esterilidade de tudo.
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