Passando rapidamente por todas áreas do saber comportadas pelo espírito humano, e dando de barato que o novo programa de Manuel Luís Goucha, «Mulheres da minha vida», não implica nenhum tipo de conhecimento morfológico daqueles que o João César Monteiro não se cansou de promover em filmes ingratamente recebidos como ordinários - distinção conceptual que é o epítome, como todos sabemos, do génio humano, mas aplicado aos grandes por mentes cuja pressão de raciocínio não igualam a rotação da bicicleta de Cinha Jardim, e isto num Domingo particularmente vigoroso - tenho a assinalar que gostando, também eu, de ler e muito, devo, no entanto, confessar que também eu, e muito, sou um aficionado pela leitura, dentro das minhas possibilidades cognitivas - que são muitas - de partituras musicais, dentro das minhas capacidades de leitura à primeira vista - que são poucas - estando por isso habilitado a dizer com toda a propriedade que a análise de maradona - pessoa que, como todos sabem, muito prezo -assenta num equívoco, aliás, bastante comum segundo o espírito do tempo. Um dos problemas da democracia, como todos sabem, além de produzir indivíduos como o Miguel Morgado, é a generalização dos produtos culturais como se fossem alpista de aviário, processo gerador de dinâmicas muito mais complexas do que a morfologia anatómica de Di Maria quando enrosca os membros inferiores em torno do esférico - conceito que roubo aqui a Gabriel Alves - e essa problemática, muito estudada por Guy Debord, Michel Foucault, Jean Braudillard, entre outros homossexuais distintos, está sempre presente no espírito de pessoas modernas como maradona. Por outras palavras, as massas geram dinâmicas de gosto, onde participam de forma sinistra os meios de comunicação, conspurcando o génio pelo contacto das multidões sempre boçais na sua ânsia de salvação, sendo aqui gerados processos de construção de identidade a partir de rupturas, só aparentemente informadas, com o gosto das massas, ou, se quisermos, informadas não tanto por conhecimentos de técnica artística mas por uma necessidade de distinção social. Há muito que a divergência entre preocupação com a alfabetização e preocupação com a educação musical me interessa como problema. O gosto musical ainda não é coutada da produção industrial escolar, precisamente porque a economia liberal precisa do indivíduo «sem gosto artístico educado» a fim de excitar os seus planos de desenvolvimento infinito a caminho de uma coisificação da cultura individual. Maradona é, neste particular, um caso exemplar: uma pessoa que lê a «First things» com o mesmo à-vontade com que passa os olhos pelo jornal A Bola, que navega nas águas da geologia crítica com a mesma facilidade com que recupera um internacional argentino do plantel do sporting na década de 80, acordando na minha consciência a recordação do cheiro a verniz de um móvel da sala de estar onde vi - ou julgo que vi - o benfica levar sete de alguns desses gajos, mas maradona, convenhamos, é também uma pessoa - e aqui aposto um pelo da minha barba - que não sabe distinguir um compasso de 2/4 de uma tercina. Neste particular da ignorância musical basta dizer uma palavra: Deolinda, e tudo é possível. Exemplo: tanto Úria como o outro gajo estranho - cujo nome foi repescado na onomástica de cariz bizarro - são músicos absolutamente medíocres, quer no sentido ptolomaico da estupidez, quer no sentido primário da teoria musical, tanto no plano da composição, como no domínio dos instrumentos que ambos fingem que tocam. Maradona, indivíduo que notoriamente lê muito, mas que não sabe um chavo de música - como facilmente se depreende dos seu gosto artístico até agora cuidadosamente revelado - utiliza aqui o conceito de harmonia quando visivelmente se quer referir à melodia, pois dificilmente uma harmonia - que é já um conjunto de pelo menos três sons - pode repousar num coro - em geral, exercício clássico de harmonia, a não ser que estejamos a falar do clássico de Clemente, «Vais partir». Maradona quer referir-se à melodia ou tema, e faz referência à harmonia porque é esse o conceito popular de qualquer coisa que soa bem, dizemos que é «harmoniosa», e falha a diferença entre harmonia e desenho melódico uníssono, acabando por pisar a casca da banana, entretanto comida pelos analfabetos musicais que continuam a fazer miséria neste campo particular da educação, trocando a escolarização das crianças pela rampa da originalidade de estilo versus dinâmica de massas. Levaria muito tempo a explicar porque razão toda a fundamentação que maradona encontra para elogiar este tema de giulilulil - ou lá o que é - (e se encontra muito abaixo das capacidades de um Carlos Paião, pessoa que enoja todos os modernos com estilo) se poderia aplicar com igual cabimento ao trabalho artístico de um Zé Cabra ou mesmo de um Paulo Gonzo. Resta-me recomendar a maradona que, gostando muito de ler, há que passar, todavia - palavra de grande alcance no trabalho de conversão espiritual - aos conceitos básicos de solfejo.
1 comentário:
a única coisa que posso responder a isto é: ainda bem que para gostar de música não é preciso saber de música. tal como, de resto, para gostar de ler não é preciso saber-se escrever, e por ai fora, etc e tal.
Enviar um comentário