Se há coisa que pode irritar um indivíduo é receber uma cotovelada nas costas no momento em que, posicionado a uma distância consideravelmente segura das restantes mesas de um café de recorte italiano, procura concentradamente descodificar um pensamento, contra o o inigualavelmente torturante som da música ambiente, contra o ataque bicudo dos bocejos macaqueantes de um enamorado gótico que tilinta uns penduricalhos de metal na ponta da língua, para deleite da sua jovem parceira. Como compreender, nestas frágeis circunstâncias, uma frase difícil que, além do mais, me recomenda, a mim especialmente, a prática da consciência de que o ensino universitário é uma máquina de fazer funcionários (seria pior se fosse uma máquina de fazer paneleiros como grande parte da literatura portuguesa actual) e que as profissões não interessam ao espírito superior, espécime que aos trintas anos ainda não «acabou» nada, sendo mesmo a dificuldade em acabar as cervejas uma sua característica salutar, uma vez que aos trintas anos «se é, no sentido de uma cultura elevada, um menino»? É evidente que o meu propóstio inicial seria falar da entrevista de Manuel José - um homem que sobreviveu a 26 Companhias aéreas africanas - saudar o Besugo - um homem que sobreviveu à contratação de João Pereira -, e citar mais um post de Maradona que remete grande parte da prosa publicada em papel para a Liga Vitalis. Contudo, e nomeadamente, fui atingido por uma necessidade de declarar que toda a arte tem um propósito, mesmo a escrita de um post, não sendo aqui necessário justificar porque é que o Pedro Mexia é apenas um gordo que faz viagens a Bruxelas e emite gracejos em forma de opinião jornalística. Ainda hoje me aconteceu ser possuído por um tal sentido de independência mental que me senti tentado a roubar ao país, e ao mundo, a minha voz volátil e vazia de projectos, para erigir para meu deleite a prova de alguns de nós conseguem remeter a necessidade de reconhecimento para o lugar onde são remetidas outras respeitáveis necessidades como tirar macacos do nariz. Perderia o mundo alguma coisa? Seria eu privado de reconhecimento se decidisse calar-me? Haveria Jorge Jesus sem a associação de Aimar com Saviola? E será que isso importa a Jorge Jesus? Nisto, uma rapariga travou-me em plena chuviscadela no chiado com um estudo de mercado (apetrechado por microfone e câmara) acerca da informação fornecida aos consumidores por seguradoras. Naturalmente, respondi-lhe que as profissões dão nisto, sejam velhas ou novas, as profissões, ainda prefiro as que não fingim dignidade e se vão sentar, as profissões, na estrada de Coina com o seu banquinho de rede, as profissões, à espera que pare um transportador de longa distância. Não há informação, nem câmara, nem microfone, nem estudo de mercado. Apenas pessoas que é um conceito forjado por S. Tomás, um indivíduo a quem, manifestamente, faltou uma «profissão».
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