São 23.38. O dia correu manifestamente bem, comi um rissol, uma merenda, escaldei a língua duas vezes com meias-de-leite fervidas até ao ponto inquisitorial, tropecei uma vez e meia em cócó de cão, dei catequese variando em torno do conceito de mérito e infância precoce (era o tema da apresentação de Jesus no Templo), li sobre as Irmandades em Minas Gerais, anotei duas frases sobre a posição do busto de Jorge Luís Borges na sala da sua antiga mulher-a-dias, hoje a viver no bairro populoso de La Boca, entre fotografias das glórias desportivas do Boca Juniors, e fui ainda brindado com um problema de codificação no elevador eléctrico do vidro direito do automóvel (viatura, na expressão indeferida da garantia), rapidamente solucionado por um assistente de oficina cujas frases têm o balanço constante de uma sonata de chopin (pico vertiginoso, seguido de um longo arpejo com variação melancólica), tudo coisas que não constituem novidade no meu universo político-familiar. O que constitui novidade é o facto de ter acabado de televisionar uma declaração de António Costa com o seguinte conteúdo:«Acho indigno fazer o combate político (aqui com um ligeiro semi-cerrar de olhos) com base em escutas telefónicas (recostando-se na cadeira e afagando a gravata rosa-elefante de peluche)».
Ao que Lobo Xavier respondeu: «O problema (inclinando-se para a frente e ajeitando os papéis rabiscados com variações sobre os balancetes da Sonae) é que esta não é a questão essencial».
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