Os sentimentos de revolta resultam sempre em raríssimos momentos de belo efeito, sobretudo quando são animados por Presidentes de Associações Comerciais que falam alemão - sobrepondo o domínio babélico sobre uma larguíssima cultura - e abrilhantados por empresários que actuam nos ramos de aluguer de Pavilhões de Desportivos e controlo de murros em casas de diversão nocturna. Não me lembro de uma coisa tão bonita desde que no funeral de Amália Rodrigues algumas senhoras, com mais de 90 quilos e cerca de 1,35 de diâmetro, resolveram improvisar versões atabacadas de «São os caracóis, são caracolitos», inaugurando uma alusão ético-crítica sobre o real, valorosamente resgatada por Dias Ferreira (quer vossa senhoria que traga o cavalo ou as pistolas de prata?) para caracterizar um conhecido comentador televisivo que, alegadamente, teria feito alusões a um suposto processo de tratamento psicológico a que o próprio Doutor Dias Ferreira, num momento de infortúnio, teria sido, alegadamente, submetido (e quem entre nós não bateu já com os costados no psiquiatra que atire a primeira caixa de Xanax). Isto retira-me esclarecimento para comentar um post relativamente bem conseguido de António Figueira, mas esgalhado a partir de um conhecimento pseudo-profundo do antigo liberalismo no reino da Dinamarca, e ressuscitando a questão bizantina acerca do verdadeiro (se fazem o obséquio, aqui, todos devem limpar a boca) espírito do liberalismo mais radical, dormitando o problema, na opinião de Figueira, em saber se o dito liberalismo radical é um esforço de conservação ou uma aposta na reforma do entendimento e condição humanos. Tenho a dizer que, apesar da honestidade do post, um dos problemas recorrentes em indivíduos que leram as obras completas de Poulantzas e Althusser, é a incapacidade de entenderem que os discursos assentam em base fisiológica semelhante à que o falcão utiliza para se precipitar sobre a presa ou o peixe de coral para morder até à morte o peixinho cinzento que lhe invade o território. É sempre impressionante assistir às frases elaboradíssimas do canto do rouxinol (com múltiplas alusões a Stuart Mill, à claríssima, como água do luso, definição do que é clássico, ao conformismo, ao transformismo, torys, whigs, a baixa do Dafundo, tudo coisas que fazem barulho de certa maneira). O que irrita em maradona, e faz a sua fama, é, neste capítulo particular, o carregar do estilo, fingindo que pensa, e pensar fingindo que trabalha o estilo. Raciocínio em forma de sentimento, para usar uma definição conhecida, sendo o seu barulho de tal forma ensurdecedor que não deixa espaço para outros galináceos. A eficácia da imutabilidade dos conceitos é uma coisa que padece de demonstração e a alusão ao conceito de arqueologia foucaultiana, não deixa de inspirar o vómito e demonstrar que António Figueira também usa as palavras a partir do seu valor de uso, ou não teria a coragem de colar, a propósito de qualquer tipo de liberalismo, palavra e coisa. De facto, com bom jogo de cabeça ou notabilidade nos pés, o que importa é se a bola entra.
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