quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Sibéria

Se eu tivesse tempo, um dia ainda gostava de explicar ao Pedro Lomba as diferenças entre um mau uso do significado da falácia ad hominem e da falácia ad personam mas receio que este tipo de sensibilidade cognitiva não faça parte dos seus interesses imediatos, uma vez que se encontra ocupado em duelos de honra com mefistofélicos adversários jornalísticos. Já os vejo, chegando de madrugada com suas pistolas de duelo, pisando a neve estaladiça de um parque de faias, acolitados pelos bravos companheiros de militância político-intelectualizante, levantando a gola do sobretudo de pele de raposa e jurando vingança eterna até à quarta geração de descendentes políticos constitucionais. Depois, quando o olhar raiado de sangue se prepara para o disparo, enquanto o vento uiva nos troncos queimados pela geada, os opositores abraçam-se e perguntam por uma cadeira ministerial. O público sorri, e volta a mergulhar a cabeça na cinza dos dias. É natural e é civilizado que alguém entretenha a plateia. Contudo, antes destas diatribes, Pedro Lomba devia saber que as diferenças entre falácias implicam uma variação de tom entre utilizar um argumento do opositor para desvalorizar a sua argumentação (ad hominem) e utilizar uma crítica ao carácter do opositor para desvalorizar a sua argumentação (ad personam). Feito este pequeno ponto de filosofia clássica não posso esconder a minha satisfação pelo facto de ter perdido os últimos dez minutos a nadar deliciado entre as vagas tumultuosas da prosa intempestiva de Pedro Marques Lopes, Eduardo Nogueira Pinto e Pedro Lombra, três indivíduos que talvez a internet não explique quem são mas que fazem de mim um putatitvo candidato a indivíduo muito mais brilhante do que aquilo que julgava ser. Nestas crónicas e textos, vemos desfilar declarações sobre a necessidade de rigor intelectual. Os estimados autores das crónicas e textos apelidam-se indirectamente de medíocres, e de defensores dos maus governos, apelidam-se de cobardes e acusam-se de serem defensores de cobardes ao serviço de maus governos. Pelo meio fazem uma vénia à liberdade de expressão e apelam à responsabilidade. Ensaiam retiradas da polémica e acusam-se de ensaiar retiradas da polémica. Escrevem em jornais e apelam para a opinião responsável dos que escrevem em jornais. Escrevem em blogues e apelam para a responsabilidade da opinião dos que escrevem em blogues. Depois, com galhardia, rugem ferozmente, mordendo as canelas uns dos outros até ao sangue. E quando chega ao osso dizem: «Chega de barbaridade que somos constitucionais». Passados três dias, chamam irresponsáveis a quem não partilha da mesma opinião e desenham quatro banalidades sobre o país de há quarenta anos e o país como sistema, o sistema de há quarenta anos e o papel da liberdade de expressão no país. Pelo meio, entra uma crítica feroz a Nogueira Leite, alinhavada por Nogueira Pinto (desconheço se há cruzamento entre os antepassados) isto a propósito de Nogueira Pinto ser, segundo Nogueira Leite, neto de avô incógnito, o que para Nogueira Pinto constitui uma prova da irrelevância de Nogueira Leite. Depois há a habitual vénia à necessidade dos factos demonstráveis e uma ofendida censura às barbaridades que se escrevem sobre políticos, perguntando-se todos três sobre quais as reais intenções de quem escreve as barbaridades e quais as suas alianças com outros políticos. Ao que logo um deles responde que é uma barbaridade acusar alguém da barbaridade de escrever contra políticos. No final, um leitor palhaço como eu, sente-se rejuvenescido na sua infinita capacidade de ser irrelevante mas com toda a violência de quem é realmente irrelevante. Como se diz em homenagens cívicas e festas de caridade, o meu bem haja aos três.

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