Steven Seagal é seguramente um dos vultos mais marcantes da cultura ocidental. E tem sido injustamente esquecido. No filme On Deadly Ground, aqui invocado, que a RTP ontem passou em hora apropriada, após a exibição de Bruno Alves no estádio de Zenica, Seagal procura desmontar uma tremenda urdidura contra a cultura Apache, ou Sioux, ou lá o que é, pela exploração horrorosa de uma montanha sagrada, onde repousam as neves eternas e um apetecível poço de petróleo. No filme, os diálogos com Michael Caine, atingem cumes de realização artística e filosófica que levariam Nuno Crato a ler Rosseau com atenção. Mas o que aqui me interessa é a capacidade de Seagal terminar uma cena de sova num bar repleto de operários petrolíferos numa lição espiritual sobre a conversão humana. Muito antes de Tarantino, Seagal encerra um sequência de quatro pontapés, duas fracturas expostas e uma cabeçada no nariz do operário-vilão com uma pergunta pela substância da natureza: «O que é preciso para mudar a natureza de um homem?» ao que o homem, sangrando violentamente do nariz, devolve uma majestática perplexidade de servo ferido e sofredor; «tempo», levando Seagal a abandonar o saloon com um silêncio maiêutico que faria inveja a Sócrates (é uma merda um gajo agora não poder citar o grego sem ser assombrado pelo fantasma do engenheiro da Covilhã). Isto leva-me até ao mais recente debate sobre o referendo ao casamento homossexual. Ribeiro e Castro e Jorge Bacelar Gouveia fizeram as despesas da protecção da família e do sagrado instituto do casamento, de tal modo que me arrependi, pelo menos duas vezes e meia, de ter trocado a última oração do terço (como é sabido a oração, por excelência, da família) pelos resumos da liga Europa. Ribeiro e Castro é aliás um indivíduo que idealiza a família ancestral como uma comunidade de afectos e de laços entre pais, filhos, tios, irmãos, padrinhos, primos, onde o Estado «ai de nós» não deve meter o nariz, em matéria de sexualidade. Agora não tenho tempo para apanhar um táxi e correr a avisar o Doutor Ribeiro e Castro que o Estado, a Psicologia, a Igreja, a Polícia, o Direito, o Seminário, a Medicina, os Escoteiros, o Hospital, a Empregada Doméstica, o Exército, o Bispo, a Prostituta, o Farmacêutico, o vendedor da Planeta Agostini, já metem todos os nariz na sexualidade há umas boas centenas de anos.
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