quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Ao contrário do que tudo indica

estou mesmo tramado, isto numa perspectiva de realização socio-profissional, e tendo em conta todos os indicadores das performances económicas dos próximos trintas anos e das suas implicações no mercado de trabalho, (não esquecendo os estudos e barómetros internacionais ou as novas colunas de opinião de José Manuel Fernandes e Martim Avillez de Figueiredo, dois vultos do panorama vencedor que hão-de cuspir na minha sepultura com níveis estratosféricos de gozo, o que no fundo, é merecido), o que quer dizer que estou completamente quilhado, e nem uma banda sonora desenhada por Vangelis ou um quadro de El Greco me safavam agora o coiro, já que acabo de sair de um respeitável colóquio científico onde começei num registo de elevada atenção ao raciocínio lógico-semântico dos intervenientes, desde o catedrático de Coimbra, passando pela jovem promessa de além-Atlântico, acompanhando a leitura cerebral de todas as académicas figuras com copiosas notas interpretativas e comentários das suas inóquas comunicações, num esforço sobre-humano para espremer as laranjas secas em que rapidamente as suas ideias se transformavam, e acabei a anotar dispersos sobre uma investigadora porto-riquenha chegada de Yale a fim de relatar sonhos políticos proféticos de mulheres do povo, em 1589, em Castela, e suas repercussões nos sentimentos populares, nos mercadores aflitos com o comércio da Ásia, comércio que se ia perdendo para os Ingleses e Holandeses, ou as repercussões desse sonhos da mulher do povo nas leituras sinistras dos cortesãos de Felipe II, preocupados com os possíveis danos na honra da monarquia, isto se fossem escutados esses sonhos, sobre possíveis desgraças do império espanhol, e isto se insistissem no domínio do espaço português, Ai de ti Madrid, toda esta procissão de aflições e farrapos de passado circulando na minha consciência como os dejectos no lavatório, numa espiral cósmica, escatológica, a verdade é que não sei se levado pelas alusões literárias ao facto de que a vida é sonho, ou se impressionado pela licenciatura em Literaturas daquela porto-riquena, tirada na Universidade do Minesota, dei por mim completamente derrotado, extremamente fatigado, isto, como é evidente, numa perspectiva em nada relacionada com interpretações científicas mas, sobretudo, lançada no domínio da ficção biográfico-especulativa, que entretando fui ensaiando no caderno, nervosamente colocado no colo, e dei por mim atónito, mas calmo, à medida que me ia afundando na insignificância, num ódio visceral a todas as formas de sucesso, vergastado por um tédio mortal, apenas interrompido pelas referidas alusões ao erro, à desilusão, aos sonhos que empurram os humanos para as mais bizarras situações de vida, eu mesmo, no meio dessas notas, levantando a cabeça e escutando os sinos da Igreja nas imediações da Universidade, como um chamamento para a desgraça, como o gongo da condenação definitiva, que dizem ressoa como bronze, que todos vimos ouvindo desde que nascemos, ou o sinal de que me devo colocar a caminho para o lugar onde se dirigem todos os movimentos literários contemporâneos dignos desse nome e que significa, enfim, a assunção formal do meu mais profundo falhanço profissional, apostado num futuro literário incerto e, concerteza, conducente ao abismo.

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