Hoje fico-se a saber da transladação dos restos mortais de Jorge de Sena para a sua Pátria. Aqui deixo, ao caro leito, um poema deste grande escritor que por fim regressa a casa.
O REGRESSO
Como este fósforo que acendo para subir as escadas
da casa onde nasci, cujos degraus não conheço
hoje, nem conhecerei nunca, embora às vezes,
o luar, um automóvel, que passa os adivinhem,
é quanta assim verdade, quanta fantasia -
pode o sol desdobrar os campos, as crianças rirem,
as mães esperarem, e as catedrais, os templos -
que nada consegue esconder a escuridão que vi.
Nada mais existe, nada mais tem importância,
para quem viu as trevas nos intervalos das coisas.
A tua mão passará como quiseres por mim,
deixando um rasto de presença, de realidade,
serei feliz ou não, terei a certeza de que o poderia ser,
mas nunca mais, nunca mais a treva acabará.
De repente, acordei, estava dormindo,
vim de longe, subi as escadas, não trazia bagagem
senão esta visão. Vinha de muito longe.
Toda a gente era em sonhos, fora em sonhos, vi
uma treva espreitando, e um silêncio, nada
que sentisse, nada que soubesse, a tarde prolongada,
o mar tão calmo, o vento de ontem, tudo
começou a esburacar-se num desmaio das coisas.
Acabou-se. Acabou-se. Voltei a mim. Falei.
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