quarta-feira, 8 de julho de 2009

A diferença cultural entre entender e não entender

O Estado é uma entidade metafísica. Bento XVI recriou-se na última encíclica em torno destas questões. Creio que chegou até a mencionar a interdisciplinariedade da teologia, enquanto citava textos de Paulo VI e elaborava sobre o mercado com seus actores fungíveis, os seus contratos e a sua eterna permuta de bens e serviços. Essa entidade metafísica não deve pagar para os “artistas criarem”. O estado deve pagar para garantir que os restantes portugueses tenham acesso a essas criações. Aqui terei que concordar com o 31 da Armada. Em primeiro lugar porque são muitos e podem decidir fazer-me uma espera num lugar esconso da Rinchoa. Em segundo lugar porque se o Estado paga para as pessoas criarem temos como resultado os textos de António Mega Ferreira, ensinando-nos que «é na poesia ortónima que o Pessoa "restante", o que não cabe nos heterónimos laboriosamente inventados, se afirma e normaliza: é então que ele "faz" de si e os seus poemas são "chaves" para compreender o seu extraordinário universo literário». Por outras palavras, Mega Ferreira quer aqui dizer-nos que não entende um chavo do que é a criação literária mas gostava de entender, chegando até a sugerir que parte do Pessoa não cabia nos heterónimos, digamos, a título de exemplo, os testículos e a perna direita, pelo que o empregado de escritório teve que normalizar esta sensibilidade não expressada pela dramaticidade da sua desmultiplicação personalista fazendo de si - o que revela uma clara influência premonitória de Camané (sempre de mim) - e oferecendo chaves, fechaduras, correntes e cadeados com os quais os mais argutos tecem deambulações sadomasoquistas e os mais infelizes se enrodilham estrangulando a língua portuguesa, a criação literária e a minha paciência que vai agora dedicar-se à arrumação da loiça do almoço uma vez que já começa a cheirar mal na sala.

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