quarta-feira, 8 de julho de 2009

Ana Free: a anti-Berardo

Inspirado pelo programa Ponto-contraponto, pesponto, dá-me o ponto nessas calças, pronto - apresentado por José Pacheco Pereira (que nos escusamos de insultar uma vez que essa é a acção pública mais praticada na blogosfera) - continuo na senda da análise místico-psicologizante aos produtos televisivos desta nossa sociedade mediática, pelo que o Carlos Daniel não diria melhor o que me proponho fazer, tal é a objectividade - imparcial, claro - que transpira nestas frases movidas pela mais desinteressada vontade de servir a pátria e os altares do conhecimento onde Minerva passeia os seus véus e perfuma a atmosfera, isto pensava eu quando acordei novamente e me deparei com o programa de entrevista "Bairro Alto", um dos mais altos momentos televisivos que os meus longos trinta anos puderam conhecer, no sentido bíblico e tudo. Nomeadamente, a última edição, ontem à noite, entre o dormitar do sofá e a indignação de Rui Moreira perante a política de obras públicas. Subindo os olhos de um livro - sobre expedições submarinas, comprado à tarde num alfarrabista zarolho - em direcção ao ecrã eis que Ana Free se recosta numa cadeira visivelmente desconfortável e explica como a distância se afirma como elemento fundamental na sua criação - a intensidade, diz a cantora, faz cair lágrimas sobre o papel e inviabiliza o processo mágico da expressão sentimental. Diz que foi muito importante «growing up» pois que não podia ficar numa «bubble», além de que o contacto com as «nacionalitys» é muito importante no processo da expressão artística. Nesse momento, de ossos gelados estendi a mão para um copo de água, na vã tentativa de devolver o funcionamento sanguíneo ao composto cerebral que habita o meu crâneo, espaço esse que se viu, subitamente, invadido por especulações comparativas, de belo efeito, diga-se em passagem. Com efeito, Joe Berardo pairava numa neblina, sobrepondo-se à voz tracejada de Ana Free. Berardo veio de baixo, Ana free veio de cima, mas os dois encontram-se nesta criação singular que é o mais profundo desprezo pelas regras da gramática, indiferentes às utilidades de uma correcta expressão oral, entalados entre uma língua que não dominam e uma língua que querem dominar. Berardo veio do inglês para o português, Free veio do português para o inglês, e, na minha cabeça, os dois lá foram de mão dadas no seu projecto de criação de riqueza à custa da arte sem a mais pequena ideia do que seja a técnica e digam lá se isto não desce a um nível de tão cavernosas consquências e obscenas sensações que automaticamente transforma o rapaz da madeira, que joga em madrid, num príncipe da elegância, benza-o Deus, que se mantém consciente da vida e do mundo «eu vou fazer aquilo que sei que é jogar à bola». Amen

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