O número 59 da revista O tempo e o modo, Abril de 1968: Não é novidade para ninguém que V. [jorge de sena] é um dos seus maiores e mais seguros admiradores. Mas a frequência com que proclama o seu talento, ou a “obrigação” e necessidade que parece sentir em proclamá-lo não denunciarão uma certa insegurança, a par, naturalmente, de recusa a falsas modéstias?
Responde Jorge de Sena: É um engano total.Não sou. A única razão pela qual parece que eu proclamo a cada instante o meu talento é porque, até muito recentemente, se eu não o fizesse, ninguém o faria. E, se eu sou agudamente sensível a todas as formas de injustiça haveria de deixar que ela se exercesse impunemente comigo? Poucos escritores portugueses de relativo mérito deverão tão pouco à crítica como eu. De todos os sectores, ou o amesquinhamento foram de regra durante quase trinta anos (…) Dado que eu não acredito em nenhuma forma de imortalidade, e tenho erudição bastante para saber que cemitérios são as bibliotecas e as histórias literárias; e dado ainda que não me dou a participar em partidarismos que me ofereçam, por substituição, a ilusão da imortalidade, será bem clara a razão de exigir o reconhecimento que me cabe por muito e bom que tenho feito. Tenho horror de falsas modéstias, de facto. Mas tenho ainda mais horror da mediocridade que se compraz em recusar-se a reconhecer o que a excede. Não, não sou um dos meus mais seguros admiradores (…) O problema não está em eu me considerar muito grande – mas sim em os outros serem, na maioria, tão pequenos. De resto, devo acrescentar uma palavra de justiça e de grato reconhecimento: foram muitos dos pequenos que não se julgam grandes, e aos quais durante muitos anos não dei nem uma palavra de correspondente louvaminha, quem honestamente, e com isenção, se ocupou mais de mim do que a crítica oficial das várias chafaricas individuais e colectivas. A eles devi, por muito tempo, um comovente incentivo que muitas vezes não recebi de amigos. E, ainda, quero fazer uma pergunta: quantos escritores de categoria se têm ocupado tão largamente e tão numerosamente dos outros seus contemporâneos, como eu fiz durante trinta anos? Quantos? O mais que fazem é louvar às vezes um medíocre ou desenterrar um morto, com medo da sombra que lhes seja feita. A diferença entre mim e eles é que não temo o juízo do futuro, e não procuro tapar o sol com uma peneira.Não: a minha segurança é total e absoluta: ninguém pode destruir-me senão eu mesmo.
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