Hoje já não estaremos tão familiarizados com a linguagem tauromáquica: quando o forcado, sacudido pela cabeça do animal, retesava os braços e balançava logo se podia ouvir: «Fechou-se à córnea com querer e vontade de ficar». Podia eu dizer o mesmo de Manuela Ferreira Leite, de acordo com o que afirmava Maurício do Vale nas lendárias corridas RTP dos anos 80, no tempo em que o Muro ainda não tinha caído, ao som de coros eslavos e colocando bandeiras vermelhas sobre o coração, mas isto se tivesse por passatempo desenvolver as técnicas semântico-metafóricas de Henrique Raposo, que permitem alinhavar frases como esta: «E, já agora, convinha reinvestir no aeroporto de Beja, que poderia funcionar como o Sancho Pança aéreo do nosso D. Quixote marítimo, o porto de Sines ». Olé. Adiante. Quando surgiram as Farpas, as águas da sociedade Lisboeta eram calmas e pacíficas. Foi então que surgiu a famosa dupla, tomando o conceito emprestado ao farpear do touro, a besta constitucional que, saindo para a arena, se sujeitava à impetuosa virilidade dos folhetinistas diabólicos que forjaram o realismo português. Hoje é Vasco Campilho quem vem farpear a fera. A fera é José Socrates. O viril lidador é Campilho, patilha larga, mão no colete, encarnado, claro, meia rendada e calça justa, olé. E como farpea este campino de vara à ilharga - qual pampilho - doce tradicional, da Azambuja ao Cartaxo, passando pelo Vale de Santarém, e pelos olhos verdes de Joaninha, olé. Atira Campilho com um par de bandarilhas, olé: «Se porventura ele (PS) vier a ser de novo o partido mais votado, iniciar-se-á o ciclo político mais turbulento que Portugal conheceu desde a década de 70. Definitivamente, a governabilidade já não é atributo que o PS possa reivindicar para si.» Eu, como sabe todo o auditório, sou uma besta que gosta de ser farpeada e gostaria que Campilho começasse por sacar do seu capote e explicasse, desenhando na areia democrática, ao estilo dos esquissos de que tanto gosta, de que enormes alturas aristocráticas extrai ele tão formosos conceitos, como, por exemplo, o de «governabilidade». Governabilidade tem quem ganha as eleições. Mas isto, claro está, na minha terra, um pobre lugar onde os cidadãos não cursam ciência política, relações internacionais e, por isso, não atingem as gloriosas intuições da harmonia social, guiados por partidos que têm, na verdade, "governabilidade", generosamente concedida por entidades supra-pragmáticas como Vasco Campilho.
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