terça-feira, 16 de junho de 2009

Se isto é um ensaio

Raposo continua a chamar aos seus textos ensaios. Ora, ensaio é aquele momento em que, num jogo Nova Zelândia-República da Irlanda, o ponta esquerda da equipa do trevo atravessa a linha de fundo, levando a bola presa contra a parede abdominal, e, depois de ser atingido nos dentes por uma cabeçada de um indígena da ilha da Páscoa, consegue, mesmo assim, lançar-se ao solo pressionando, ainda que escassamente, a bola contra o relvado. Esta prosa, que a seguir se publica a título de exemplo, merece quando muito o epíteto de borradela de pombo depois de alguns vôos agoniados sobre o parlamento após ter engolido um pedaço de Big Mac, por sinal repleto de salmonelas, ali perto, na calçada de Santos.
A vantagem da nossa “globalização” sobre a “globalização” que acabou em 1914 é a seguinte: a nossa “globalização” tem uma Ordem Liberal a montante. Ou seja, em 2009, temos uma ordem política (OMC, FMI, Banco Mundial, G20, etc.) que domestica as tensões entre Estados. Em 2009, as tensões continuam presentes, mas são filtradas até atingirem um grau de civilidade. Este filtro político não existia em 1913. Nessa época, os fóruns e hábitos multilaterais eram ficção científica. Ora, seguindo esse “multilateralismo”, os ocidentais têm de reajustar a ordem liberal, isto é, devem reconhecer o declínio relativo do Ocidente, e, depois, devem agir em consonância. Por outras palavras, os ocidentais devem dar mais poder aos asiáticos na grande mesa da Ordem Liberal (ex.: o FMI não pode continuar a ser “propriedade” dos europeus).
Henrique Raposo, no suplemento de economia do Expresso
Várias coisas, a saber: existe uma "nossa globalização" que tem, inequivocamente, uma vantagem sobre a globalização (deles) de 1914. A nossa tem uma ordem política a montante. O rio nasce e antes de qualquer tufo daninho, cascata, ou truta saltitando entre charcos e penedias, pumba, eis uma ordem política que disciplina a nossa globalização. Como o caro leitor já reparou, o pensamento liberal, quando insuflado pela ciência política, maneja conceitos recheados de rigor. Na verdade, maneja-os de tal forma que o rigor se espalha pelo pensamento do leitor como a ordem política se tem espalhado nesta nossa globalização, benza-a Deus. E que ordem é essa que habita, a montante, aquele grande rio da História? Nada mais nada menos do que a OMC, FMI, Banco Mundial, G20. Com efeito, isto é o que podemos chamar uma ORDEM, no sentido de ordenação, ordenamento, com especial capacidade de transformar a tensão em civilidade. Exemplo: um manifestante em Londres arremete um calhau contra a montra da mercearia do paquistanês do bairro. O que sucede? Imediatamente, vemos abrir-se no céu um intervalo temporal ( a montante) e surgir um funcionário do FMI, gravata preta de seda e casaco armani, neutralizando a pedra com o poder da sua dentadura alvi-pérola, engolindo, de seguida, o objecto granítico e transformando-o, por via intestinal, nas obras completas de Shakespeare. Mas há mais. Em 1913, os hábitos multi-laterais eram ficção científica, até porque para um estudante de ciência política o mundo começa com a declaração da independência americana, ou melhor, a pré-história do mundo começa com a grande travessia de Washington, sendo que o mundo a sério apenas começa no momento em que os ditos cientistas são convidados para comentar a mais actual eleição do presidente do EUA. Solução? Devemos reconhecer o declínio, relativo, atente-se na palavra relativo, do ocidente e agir em consonância: saltar da ponte 25 de Abril, quero dizer, António de Oliveira Salazar, e mergulhar, sorridentes, nas cansadas águas do rio Tejo: seria esta a nossa solução. Henrique Raposo arreganha o dente, dá um murro na mesa, abana a cabeça condescente, limpa o suor do rosto, prende o sobrolho e diz que não: devemos dar mais poder aos asiáticos na grande mesa da Ordem Liberal. Eu já ficava contente se, na grande Mesa da Ordem Liberal, me deixassem comer, pelo menos, meia chamuça.

1 comentário:

ateixeira disse...

Ai a globalização domestica?! Quem diria??

Que homenzinho tão ignorante...

E mais não escrevo de modo a evitar permanentemente chateado para o resto do dia.