O caro leitor reparou decerto numa troca de galhardetes no contexto, digamos dos últimos dias, a propósito de João Gonçalves, esse “herói” da blogosfera internacional, universal, interplanetária, devidamente identificado pelo seu nome tal como consta do BI, o que na óptica do Estado de Direito e dos princípios por que se reje qualquer pessoa de bem – devidamente contabilizada com impressão digital e número de polícia - significa uma benção de credibilidade, um banho nas águas terapêuticas da autoria, um verdadeiro carimbo com o selo do património genético da genialidade. João Gonçalves, um “herói” que não se apresenta como anónimo – o próprio nome o indica: João Gonçalves, o que quer dizer um indivíduo chamado João com ascendência familiar Gonçalves – foi violentamente insultado. Não é justo. Protestamos e exigimos reparação. Porque Gonçalves sintetiza o caso português com um rigor de tal forma violento que chega a perturbar o próprio autor desta linhas. É que a assimilação da sua originalidade, a compreensão profunda da sua força vital, a absorção da clareza com que se exprime, exige capacidades cognitivas que não estão geralmente disponíveis. Isto poque os mais esclarecidos protagonistas do pensamento no espaço nacional se econtram: ou a lançar livros com nome de parque temático infantil localizado nos arredores de Coimbra ou em deslocação a caminho da Figueira da Foz para comer as sardinhas da D. Celeste, salvo seja. Daí que apenas nos reste repetir as afirmações retumbantes que postou a propósito de umas linhas infames vomitadas – desprevenidamente – por Maradona. Afirmoi Gonçalves: «Existe um "herói" anónimo na blogosfera portuguesa - que provoca, aliás, justos derrames e delíquios noutra blogosfera não anónima e, até, respeitável - que dá pelo nome de "maradona". Parece que gostava de fazer stand up comedy mas, lamentavelmente, ainda não o contrataram. Por isso escreve. E é incensado. E já sei que vou receber muitos comentários anónimos a insultarem-me por dizer mal deste grande "herói" - uma espécie retorcida e tardia do MEC dos anos oitenta sem o talento do outro quando era vivo - da blogosfera amiguista.» Passamos por cima desta analogia com MEC porque nos parece situada na estratosfera do conhecimento, uma hermenêutica transcental só alcance dos predestinados, um rasgo que qualificariamos algures entre os recursos metafóricos de Jorge Gabriel quando tenta explicar porque razão Miguel Veloso não consegue interceptar um passe sem aumentar dez quilos, ou dar duas entrevistas à TSF, e as tentativas de José António Saraiva de erigir uma obra ensaística com a mesma subtileza conceptual de Jean-Claude Van Dame após perder mulher e filha (degoladas) na sequência de um ataque súbito (e traiçoeiro) perpetrado pela máfia chinesa. Contudo, deve dizer-se que o post de João Gonçalves é um monumento. É um monumento erguido de um só golpe mas assente sobre as duas raízes fundamentais do espírito liberal: força e fuçanga Tanto pelo que revela na alta capacidade de entender aquele momento delicado em que, inadvertidamente ou não, nos antingem os testículos com um belo pontapé de moinho como por anunciar o que todos já suspeitávamos: Gonçalves conhece a psicologia humana, sabe quem o frequenta, domina os caminhos sinápticos daqueles que, envernizados por uma licenciatura em gestão ou ciência política – standardizados pela repetição dos gestos e dos gostos –, vêm beber na fonte mais uma interpretação fina da magnífica performance de qualquer político que se aproxime de um microfone e diga: mercado, trabalho, credibilidade, fundos europeus, projectos estruturantes, individualismo metodológico, estado de direito, verdade, verdadinha, arranja-me aí uma oportunidade para publicas as merdas que escrevo e que julgo importantes só porque, de acordo com as teorias da maximização do racionalidade implícita ao homo economicus, aparecem 30 tolinhos a comentar as minhas linhas. A título de exemplo, veja-se este post que acabo de verificar, fruto de uma má influência do “herói” anónimo que gostava de fazer stand up comedy mas não consegue porque se encontra vários prédios do cacém abaixo da genialidade de João Gonçaves: «Os dados recebidos aqui na Lapa apontam para uma derrota de Zapatero, aqui ao lado. Tanto Falcon para cá e para lá para nada.» Este tipo de pensamentos, pela sua densidade analítica, obrigam à rendição, ferem com a agudeza da lança de Aquiles, abrem-nos o espírito para a dimensão da levitação. Repare-se na crítica implícita à utilização politicamente inadequada dos fundos públicos inerentes ao uso de equipamento militar altamente dispendioso. Atente-se na fina ironia com que a expressão da recepção na Lapa, provável casa do varão Gonçalves, é, por este riquíssimo recurso, equiparada a uma sede institucional do pensamento. Estes rasgos justificam as publicações a que temos aludido, justificam foguetes e fogo-preso, champanhe, fitas, serpentinas, endiabradas bombinhas japonesas, fatos de dragão, ferrinhos, gigantones, tonificações, saltos, música de salão, abraços, beijinhos, concertinas, filarmónicas de província, anjinhos em dia de procissão, ginchos de minhotas em manhã de arraial, cálices de vinho verde chocando no céu da nossa terra; justificam que se façam convites em ordem à publicação das obras completas de João Gonçaves, seja pela Bertrand, seja pela revista Gina, seja por qualquer coisa onde, desesperados, e por não ter folhas de couve à distância de um braço, possamos, ó maradona, limpar, com toda a dignidade a que temos direito, o nosso gasto e precioso rabo.
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