segunda-feira, 1 de junho de 2009

Conceitos que todos detestamos, deus nos guarde, mas que ainda assim explicam muita coisa, entre muitas outras o facto dos cronistas serem fraquitos

Quando se dirige uma organização virtuosa, seja a Companhia de Jesus, a Sonae Sierra, a Cartuxa de S. Bruno ou o Expresso, a condição fundamental da liderança é o uso de uma bela cabeleira de rolos e sapatos de fivela, cuidadosamente urdidos, ambas os elementos, nas fabulosas casas de moda que, no século XVIII, enxameavam a Roma de Bellini. O director do Expresso, Henrique Monteiro, nosso augustíssimo convidado esta semana, não deixa os seus créditos por mãos alheias. O que nos traz o senhor Monteiro como elucidação destes confusos tempos de excesso informativo? Uma fabulosa elocubração sobre a crítica do poder: «Houve um momento em que em todo o mundo se passou a falar de um conceito que detesto: quarto poder. Aos três poderes formulados por Montesquieu em meados do séc. XVIII - legislativo, executivo e judicial - juntava-se este poder dos jornais que formavam a opinião pública.» Repare o caro leitor que o senhor director detesta o quarto poder, ou melhor, detesta que se chame à comunicação social o quarto poder. E nós que comungamos das preocupações jornalísticas do Expresso aceitamos a manifestação de desagrado. Não podemos suportar estas imprecisões conceptuais: quarto poder? Ainda se fosse quarto almoço pago pelo poder num qualquer restaurante quatro estrelas de Lisboa, ainda vá. Contudo, a indignação dá lugar à calma tranquilidade do missionário. Todos sabemos que o jornalista é um primo-direito do missionário. Naturalmente, um orgão de comunicação respeitável (que sabemos estar repleto de jornalistas zelosos) dispara em todas as direcções: abate dragões com a mesma coragem bretã de um S. Jorge, esmaga moinhos de vento com a mesma indiferença pelos resultados de um D. Quixote. Nada teme, diante de nenhuma ameaça recua, perante nenhuma contrariedade hesita: é a verdadeira reencarnação do espírito heróico de Aquiles; espalhando o mesmo terror pelos gabinetes ministeriais que o filho da ninfa Tétis espalhava pelas planícies de Tróia. Mas cuidado, estimado leitor: «Aquilo que começou por ser metáfora - na verdade jamais a CS teve poder, no sentido de soberania, que é o sentido em que Montesquieu usou a palavra para os outros três poderes - passou a ser apresentado, ora por intenção ora por facilidade, como se fosse mais um a somar àqueles três.» Na verdade, a comunicação social não tem poder. Caminha na noite, de túnica esfarrapada, mendigando a atenção dos virtuosos, sempre cega às tentações da perfídia política, sempre pronta a desvendar mais uma urdidura travada nas costas do contribuinte. Estava mesmo agora a pensar fundar um novo jornal, animado por esta prosa republicana, com referência a Montesquieu e tudo, mas, entretanto, lembrei-me que estas coisas implicam uma certa dose de pilim, que é um factor de crescimento, instrumento fundamental da economia, recurso decisivo para olear as trocas comerciais e elemento completamente, repito, completamente estranho aos corruptíveis poderes da soberania e, portanto, nada relacionado com a Comunicação Social, esse espaço onde, uma última vez, podemos respirar o perfume inebriante da liberdade.

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