terça-feira, 19 de maio de 2009

O Rio de Janeiro continua lindo

Venho por este meio - e sem a mais pequena hesitação - declarar solenemente - colocando a cabeça, as duas mãos e um chouriço de Arganil no cepo da probidade intelectual - que confirmo não existir a mais ténue sombra de relação entre a criminalidade (benzendo-me três vezes e cuspindo no chão) e a pobreza, essa chaga social que apenas se adequa a portugueses longamente martirizados que se levantam às seis da manhã, obedecem cegamente todo o dia, e terminam a labuta baixando a cabeça perante a exploração, perdão, perante o desenvolvimento económico do país. Aliás, a título de prevenção da saúde pública portuguesa, declaro também que, passando a semana passada pela Quinta da Marinha no meu Renault Clio de 1991 (luz da temperatura acesa, porta direita ligeiramente amolgada e problemas de travagem), fui violentamente interpelado por um crimimoso (polo Lacoste e sapato timberland) munido do seu taco de golfe que, suspendendo a minha marcha atirou sem mais: «passa para cá já essa camisa verde contrafacção da feira de carcavelos e esse carro de merda que eu adoro sentir a emoção que sentem os briosos portugueses que ganham menos de 1000 euros e tenho um Iate à espera ali na Marina». Repondi: «mas o que é isto?»; ao que ele replicou: «isto é um assalto que me foi agora mesmo inspirado sem sombra de determinação materialista nem arremeso de esquerda socializante ou marxista».
Posto isto, abandonei o meu Clio ao doutor Vasconcelos e Souza que, cumprimentando-me, arrancou a toda a velocidade pela estrada do Guincho, uivando contra o Estado de Direito, a segurança dos cidadãos e a respeitabilidade da Polícia, ao som da Frei Hermano da Câmara e brandindo o seu punho esquerdo contra o vento que soprava do lado da Serra de Sintra. Ainda corri mas fui impedido pelos dois advogados do doutor Vasconcelos e Souza (com Doutoramento em Direito Administrativo em Coimbra - não há também a mais pequena relação entre delinquência violenta e escolaridade) que arremetidos pelo mesmo espírito do crime - que sopra onde de quer - me espancaram violentamente por entre vivas à Exposição Internacional do Cavalo na Golegã.
Sem mais a declarar, eu, um estúpido qualquer.

9 comentários:

Nelson Gonçalves disse...

Criminalidade deve ser julgada e penalizada. Venha de onde vier.

Não é novidade nenhuma que a criminalidade costuma estar associada à pobreza. Mas a pobreza ainda não é razão para absolver criminosos.

A mim é custaria-me muito mandar um puto da Bela Vista/Chelas/Marianas para a prisão. Provavelmente foi criado à bofetada e na prisão pouco mais vai receber do que doses violência. Mas cometeu um crime e terá que ser penalizado, embora a pena se possa adequar caso-a-caso.

Num país em que se desculpam actos criminosos, quem pode esperar que os tipos do BPN e BPP sejam postos na prisão ? Os mesmos argumentos serão utilizados: afinal eles até são tipos porreiros, não sabiam o que estavam a fazer, não fizeram por mal, os clientes dos bancos deveriam ter tido mais cuidado, etc...

Isto custa, porque é difícil admitir a verdade e actuar de acordo com as consequências.

binary solo disse...

Ora cá faltava falarmos de criminalidade. Dizes bem Nelson, tem que ser julgada e penalizada. Sem duvida. E sem excepções. Para a justiça em portugal todos são iguais, mas uns são mais que os outros. Há malta a ser presa e julgada por crimes. Basta ver a tvi e o correio da manhã. Comprovam isso. O que não tens é gente com poder a ser apanhado (tirando algumas excepções ridículas como o vale e azevedo e agora o do BPN). E isso faz a diferença. Como o Alf dizia há dias, talvez o problema seja ainda haverem janelas por partir.

Estes fenomenos sociais a que vamos assistindo são o rosto de gente que anda farta de ser roubada e não defendida por quem acima de tudo devia estar do seu lado e não de procurar a glória pessoal.

Nelson Gonçalves disse...

"Como o Alf dizia há dias, talvez o problema seja ainda haverem janelas por partir."

E depois ? Partimos portas ?

"Estes fenomenos sociais a que vamos assistindo são o rosto de gente que anda farta de ser roubada e não defendida por quem acima de tudo devia estar do seu lado e não de procurar a glória pessoal."

Pois, mas isso não é justificação para actos criminosos. Os tipos do BPN podem sempre argumentar que o Sócrates rouba/roubou mais e não lhe acontece nada.

binary solo disse...

Não passa por partir portas. Se calhar passa em abri-las.

Tens razão, não e justificação, mas entretanto vai la dizer ao tipo que não tem dinheiro para comer e pagar a renda para se calar e fechar os olhos. O socrates roubou/rouba? não sei, mas que haja justiça para esta gente toda e que seja igual.

alf disse...

Caro Nelson, o problema da criminalidade - tal como em muitas outras matérias - é a chamada consciência de classe. Tu dizes: «Num país em que se desculpam actos criminosos, quem pode esperar que os tipos do BPN e BPP sejam postos na prisão ?» e eu replico: «Num país em que se deculpam os tipos do BPN e do BPP quem pode esperar a punição dos actos criminosos»?

Nelson Gonçalves disse...

Estimados,

O meu ponto é simples. Todos nós temos deveres e direitos inerentes à nossa condição de seres humanos.

Por isso eu não faço distinção, no que respeita a actos criminosos, entre o pessoal da Bela Vista e os tipos do Largo do Rato. Mas concordo, novamente devido à condição humana, que a pena a aplicar deve ter em atenção cada caso.

A quer-me parecer que a verdade e a justiça não podem depender do lado da barricada em que estamos.

alf disse...

Cá está o ponto sensível da questão: é que, com a devida vénia, essa é uma conclusão do Estado Liberal, ultrapassada mil vezes X 100 pela crua realidade. A justiça é sempre relativa, no sentido em que é, quase invariavelmente, imposta de acordo com um padrão assente sobre o comportamento de quem a pode impôr: daí a mão leve para o crime económico e a mão pesada para o pequeno assalto da caixa multibanco. Aceito que não existe alternativa a este modelo, sob pena do regresso à tão famigerada barbárie. Mas não aceito que não se perceba o sentido das proporções: um indivíduo com uma arma pode não conter o mesmo potencial de delito moral de um indivíduo a quem nada foi negado e que tudo recusa fazer diante do bem público. Quantas pessoas se apercebem de que a corrupção gera pobreza? Quantas saberão que o dinheiro com que especulam no Banco foi obtido em troca do sangue de milhares de pessoas. É um pensamento sensível, eu sei. Nós não gostamos do remorso do homem branco. Preferimos sempre o delito do homem preto. Mas para pensamentos lineares temos o Senhor Presidente da República.

Nelson Gonçalves disse...

"A justiça é sempre relativa, no sentido em que é, quase invariavelmente, imposta de acordo com um padrão assente sobre o comportamento de quem a pode impôr"

A justiça não pode ser relativa porque senão não é justiça. Que em Portugal isso não se aplique, é outra história.

O problema do seu raciocínio é que cada vez que o segui, acabei a afiar as facas e a limpar as espingardas para depois sair porta fora e "fazer justiça". O problema é o que vem depois. O mundo torna-se melhor por magia ? Ou eu continuo a "fazer justiça" até isso acontecer ?

A propósito desta conversa, há pouco tempo estive a ler a história das FP-25 de Abril. Também se propunham a fazer "justiça social". Conseguiram apenas matar e roubar, na maior parte das vezes os mesmos cidadãos que queriam salvar da exploração capitalista.

"Nós não gostamos do remorso do homem branco. Preferimos sempre o delito do homem preto"

Então tem que existir espírito de sacrifício para ajudar o homem preto quando ele sair da prisão. Não estou a ver outra forma.

alf disse...

O último ponto merece sem dúvida a nossa reflexão, até porque normalmente é um dos lados mais obscuros do sistema de justiça. Cada vez mais um largo conjunto de estudos académicos põe em causa a eficácia da prisão como espaço correctivo. Como é do conhecimento público, as prisões funcionam hoje mais como academias do crime do que como moderadores da delinquência. Mas reconheço nas suas críticas acerca do afiar das facas que existem poucas certezas acerca das alternativas ao sistema penal. A discussão continua...