Um dos traços que distinguem um licenciado em Portugal com mais de trinta anos (além da enorme aversão por qualquer tipo de compromisso cívico que implique lavagem de louça em cozinhas inprovisadas em feiras populares) é o constante tropeçar a caminho de um projecto de ironia sobre o «miserável estado da educação em Portugal». De Luciano do Amaral a Francisco Jose Viegas, passando pelo duende que guarda o mapa do tesouro, Medina Carreira, todos labutam nessa grandiosa missão de zurzir na escasso apetrechamento cultural dos "mais novos". Entretanto, as entrevistas que vão produzindo resgatam das garras desta Gomorra da ignorância a tradição sapiencial dos antigos. Se passarmos os olhos pelas colunas de opinião, como quem passa um pano encharcado pelo chão do WC, podemos contemplar toda uma panóplia de geniais indivíduos adultos de onde brota erudição, especialização técnica e dotes racionais em abundância. Recentemente, no Correio da Manhã - esse jornal erigido pela delinquência verbal adolescente - Constança Cunha e Sá escrevia: A duas semanas das eleições, é natural que chovam os habituais desabafos sobre a falta de qualidade do debate político. E que faz ela na sua crónica: elabora sobre a falta de qualidade do debate político. E acrescenta: Com o Parlamento entregue à sua insignificância, com os partidos transformados em feudos, desligados da realidade que os rodeia, com a descrença que corrói o sistema, qualquer campanha está condenada ao fracasso e ao crescimento da abstenção. Não por acaso, as Primárias das legislativas ameaçam ser as Primárias do nosso descontentamento. Isto é, na verdade, prodigioso. Os peixes nadam, a água molha, a chuva cai, Constança escreve e qualquer coisa na órbita celeste oscila e estremece, tocada pela superior educação dos nossos cronistas. Contudo, o nosso descontentamento não reside na pobreza intelectual do debate eleitoral. O nosso descontentamento decorre de não existir uma Constança Cunha e Sá que nos recitasse o horário dos comboios, dada a sua especial capacidade de: 1) produzir ideias tão esvaziadas de desacerto com o espírito do tempo que podemos acertar o relógio político através da sua voz; 2) produzir repetidamente, sem oscilações verificáves a olho nu, os mesmo conteúdos inócuos, seja em crónicas do Público, seja em entrevistas televisivas a padres reacionários, seja em escritos menores em jornais de largo espectro. Caro leitor, amanhã vestirei gravata preta em memória da qualidade jornalística nacional, problema que, se acaso ninguém reparou, talvez seja mais grave do que qualquer caso de corrupção que envolva terrenos a sul do Tejo, tios-empresários de engenheiros que estalam vidros a poder de entoar palavras em castelhanos, e intermediários ingleses capazes de produzirem onomatopeis com sotaque algarvio.
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