quarta-feira, 4 de março de 2009

Rui Tavares: na mouche

"Há quem ache que Portugal é um problema económico. É a doutrina que vai de Herman José a Vasco Pulido Valente: se fôssemos mais ricos, seríamos mais cultos e informados e desenvolvidos. Há quem ache que Portugal é um problema administrativo. É a doutrina que vai do “Homem” dos Gato Fedorento a Manuela Ferreira Leite: se as pessoas parassem de falar, falar, falar — e simplesmente arrumassem a casa — pois bem, a casa ficaria arrumada. E em seis meses! (Também há quem ache que o problema de Portugal é não ser a Inglaterra. É a doutrina que vai de João Pereira Coutinho a Rui Ramos — outro par de bobo da corte e pessoa muito séria, respectivamente — e simplesmente considera que se Portugal fosse a Inglaterra eles próprios seriam ingleses e toda a gente reconheceria o seu espírito e elegância inatos).
Mas Portugal é um problema político e, em particular, de cultura política. No último século tivemos mais «suspensão» da democracia do que democracia, e pelos vistos não deu tempo para arrumar a casa. Já em democracia, o maior partido da oposição queixa-se sempre da «ditadura da maioria absoluta» para nas eleições seguintes exigir logo uma maioria absoluta, sem a qual não poderá arrumar a casa — e ainda assim, a casa não fica arrumada. As nossas elites, por não terem realizações de monta, só se julgam elites se forem empurrando o povo para baixo — o que ajuda à desconfiança geral da democracia. Como sociedade nunca experimentámos deliberar em conjunto sobre nada, desde a localização do aeroporto à autonomia das escolas. Mas isto não é só um problema do «centrão»: os dois partidos mais à esquerda adoram ser oposição e nunca arriscam sujar-se no poder. Correr o risco de ouvir o povo sobre a Europa, enfim, é melhor nem falar. Correr qualquer risco já é mau.
Portugal é um problema político: chama-se falta de coragem democrática."

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