Estive uns dias sem colocar aqui nada. Falta de tempo e de motivação. Pergunto-me muitas vezes para que o faço. Se há razão em escrever o que tantos outros fazem. Como conseguem os bloggers da primeira divisão escrever tanto e sobre tanta coisa? dedicação? talvez. Entretanto muito se passou. Darwin celebrado. 200 anos de evolução na teoria que revolucionou o mundo. Também António Lobo Antunes deu uma entrevista ao DN. Em jeito de despedida diz que vai parar de publicar. Admiro-lhe as palavras:
"Há uma guerra e uma interacção entre as personagens e o autor e, normalmente, este tenta esconder-se nos livros. Aqui está exposto, com as suas incertezas e fraquezas. E quem é que comanda a escrita? É o autor, é aquilo que o habita, aquilo a que Llorca chamava o duende e o demónio que o habita? De onde vêm os livros é uma coisa que sempre me intrigou. De que região nossa? Ou será que é uma região de outra pessoa? Quem escreve? É a minha mão que escreve, é outra mão na minha mão? É meditado?
- As personagens questionam essa origem..
Exactamente. Até que ponto o livro é do autor ou ele foi apenas um meio de que o livro se serviu para existir? É um problema que sempre se me pôs enquanto leitor em relação aos grandes livros. A Guerra e Paz é feita pelo Tolstoi ou através do Tolstoi? A grande literatura, a grande pintura e a grande música é feita pelos autores dos livros, dos quadros ou das sinfonias ou por uma outra entidade que, por hipótese, é comum a todos e que toma diferentes tonalidades consoante a personalidade?
- Mas que outra entidade é que poderia ser?
Não sei, será Deus que escreve pela nossa mão?
- Porque sentiu desta vez estas questões?
Essas perguntas sempre existiram em mim, mas agora já estou à vontade para as fazer e, também, à vontade do ponto de vista técnico para o fazer. Os outros livros têm-me obrigado, como diz o Beckett, a entender que "pensar é ouvir com mais força" e se estivermos atentos começamos a ouvir. Tinha-me dado conta de que as minhas duas/três primeiras horas de escrita são perdidas porque estou demasiado atento e só quando a atenção está difusa e ao mesmo tempo fixa - é quase um paradoxo - é que tudo começa. Há pessoas que escrevem de outra maneira, mas julgo que as grandes obras têm que ser produzidas assim, como os filhos que não são nossos, mas também não são de mais ninguém. Isso põe-me outro problema que é: até que ponto é legítimo ter o meu nome enquanto autor do livro.
- Mas é o corpo usado para escrever o livro!
Pois
Uma vez o Eduardo Lourenço disse- -me: "O que tu escreves faz-me lembrar aquele soneto do Pessoa que começa 'Emissário de um rei desconhecido'." Isto é muito curioso porque me torna modesto em relação ao que fiz, porque não o tenho como meu e a única coisa que fiz foi trabalhar. É evidente que houve uma parte minha, porque sempre me construí para escrever, mas, por exemplo, tenho muita dificuldade em ler seja o que for que escrevam sobre mim. Tenho sempre medo de secar a fonte, tenho de me proteger como a galinha protege os ovos e, acabados os livros, não olhar mais para eles, não ler textos de análise. Tento preservar esse mistério porque se o compreendesse deixaria de escrever. Cada vez mais me parece que sou apenas um meio e que qualquer outra pessoa que tivesse feito o mesmo caminho escreveria exactamente as mesmas coisas que eu escrevo.
- Isso é pouco plausível.
Eu acho que pode ser assim e se alguém vivesse tão totalmente para isto como eu escreveria as mesmas coisas, as mesmas palavras pela mesma ordem e este livro era inevitável.
- Não precisava da sua vivência para ser assim escrito?
Não sei, as nossas vivências são todas tão parecidas. Os problemas e as angústias fundamentais são sempre as mesmas, as questões que se nos põem também. Os primeiros livros provavelmente eram autobiográficos, os factos eram todos reais e não havia ali quase nada inventado, mas agora não. Isto não é autobiográfico, é nada eu sendo tudo eu - não sei explicar isto melhor - e, portanto, não me pertence. Daí não poder existir vaidade e o único orgulho é ter trabalhado muito"
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