Obrigatório ler. O mestre António.
"...contou do hospital de crianças cancerosas onde trabalhou depois de voltar da guerra de Angola e de como nesse hospital se zangou com Deus, apesar de não ser um homem religioso. Estava lá um miúdo de cinco anos com leucemia, muito bonito, de olhos grandes e, na sua opinião, Deus não tem o direito de pôr uma criança a gritar por morfina. O rapaz morreu e vieram dois homens com uma maca, mas como o morto era muito pequeno, bastou um homem enrolá-lo num lençol e levá-lo ao colo pelo corredor, mas um pé da criança saiu do lençol e ele viu o pé afastar-se, balançando no ar.
- Nesse dia decidi: vou escrever para aquele pé.
Talvez já tenham visto uma plateia de nova-iorquinos, professores, académicos, leitores, intelectuais, as pessoas mais cosmopolitas do mundo, a engasgarem-se nas próprias salivas silenciosas."
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