quinta-feira, 3 de julho de 2008

Poesia

Um destes dias conversámos em casa da viúva do poeta. Sobre poesia, sobre a sua impossibilidade. Há quem julgue a coisa pelo nome. Há quem venda sabão à beira da estrada e há quem recolha os copos depois da festa. Qual dos dois praticou o melhor poema? Coisa tão difícil de mapear como a forma mais eficaz da reacção defensiva ao jogo aéreo. O poema é uma espécie de marcação. Disfarçada. Um forma de mentir em estilo sincopado. Um vigarista aprumado. Um enganador que sabe dança. Mas há quem insista na disciplina, na emoção, na coisa autêntica. Na contra-dança. O problema é que bailar exige ritmo (ferrinhos ao som da concertina). Quem nunca foi ao Minho deve escrever poemas. Quem nunca foi abaixo não pode fazer outra coisa. Poetas deprimidos? Não conheço. Mas sei de quem compre o sono em comprimidos na farmácia, que é coisa bem distinta, para os mais distraídos aqui fica atenção: poeta deprimido, NÃO (grande Ary).
Entretanto escrevem-se umas notas em rabeca, mesmo que soe a relatório timbrado em folha papel-bíblia. Universos e frigoríficos, cada um escolhe os que mais lhe convém. Em todo o caso, confesso que nunca votei CDS.
Um destes dias conversámos sobre uma velha que atravessa uma porta em parede branca. Melhor dito: não atravessa, vai atravessando, atravessando, até ser a folha do jornal enrolada na avenida ao fim do dia. Acontece que a poesia é essa folha de jornal que o vento vai enrolando, como os dejectos enrolando, em espiral aquática, até ao centro do lavatório. O poeta apenas tem que sacar a tampa do ralo. E já não é pouco.
Um destes dias pensámos ser possível uma comovida homenagem ao poeta. Só depois chegou a notícia sobre a emoção: fez as malas e partiu para a América. Daí o termos ficado sós, com as palavras e o jogo inútil do vento que as agita. Quem sabe seja ainda possível a famigerada homenagem. Recordar a trajectória que pelo ar descreve a ave. Sá de Miranda andou por Roma e não consta que tenha assinado tratados.
Quanto à homenagem?
Pode ser no Zé dos Bifes, no Porto de Peniche, nas cheias de Rio Maior.
Tanto faz.
Não importa onde jogar, não há como fugir à falha.
Qualquer lugar é bom para atirar a malha.

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