quinta-feira, 29 de maio de 2008

Foi você que pediu uma dispensa? Pois tome lá um intelectual indispensável

O Público é, como tem sido hábito afirmar, um jornal de referência. Poderemos mesmo afirmar que o Público se encaminha para se transformar num monumento referencial ao jornalismo. Quem sabe uma referenciada jornalada à monumentalidade portuguesa. Um português senta-se numa pastelaria suburbana e abre o mundo diante dos seus olhos: cheias, terramotos, oscilações do mercado, primeiros ministros em calções, ministros com modelos, modelos com livros publicados, livros engolindo outros livros, livros com modelos em calções, ministros com terramotos… Não é o mundo, é a fanfarra da Moita exportada para a Europa, licenciada e de gravata. Em todo o caso, um leitor de jornais avança confiante até à zona de opinião onde lhe servirão o público afecto dos cidadãos esclarecidos. Ontem, na penúltima página - em espectacular destaque cronístico, figurava um artigo do Dr. Zé Manel Durão Barroso, intitulado «Um intelectual indispensável», Público, 28 de Maio de 2008. Logo o distraído leitor inicia um distinto desfile na sua mente. Passam Deleuze e Foucault, Aron e Popper. Não, não é nenhum destes. Talvez se anuncie a revisitação de Benjamim ou Arendt. Será Levi-Strauss, será Hayek, será mesmo Schumepeter? Também não. Continua a o leitor, na expectativa, a fazer desfilar na imaginação a galeria ilustre: Adorno, Samuelson, Habermas, Friedman, Ricoeur? Ninguém aparece ao fundo da avenida. Na verdade, o Dr. Zé Manel desfaz o enigma e lança impante para desfilar diante dos olhos estupetafactos de todos os leitores do Público que o intelectual indispensável é - nada mais, nada menos - João Carlos Espada. O leitor aguardava um bela e oleada crónica sobre o papa e saiu um rascunho sobre o primo do sacristão.

Ficamos a saber, com a vibrante prosa do senhor Comissário, que Espada ensinou em «Universidades Americanas de Prestígio», como Georgetown e Stanford. Com efeito. São, na verdade, prestigiada instituições. Direi mesmo, venerandas academias. Ficamos a conjecturar, depois de observar o currículo do Professor Espada, que pasta de sabedoria terá ele amassado em Stanford (apenas o Trimestre de Primavera de 1996) e em Georgetown (apenas o Semestre de Primavera de 2000). Isto como Professor Visitante. Esqueceu-se o Senhor Comissário - em justificado rigor e meritória titulatura - de encabeçar o artigo com mais apropriado mote «um Professor Visitante indispensável: o que seria da Primavera americana sem a “lecture” do Professor Espada»

Aprendemos muito com todos estes intelectuais indispensáveis. Dispensamos mesmo os autores acima supracitados. Quem precisa de Popper, se o Professor Espada fez em Oxford a sua devida exegese? Quem precisa de referendos aos Tratados, se o senhor Comissário prefacia livros de intelectuais indispensáveis? Dispenso para todo o sempre a minha opinião! Que se finde a Primavera e cantem para nós os frescos ribeiros e os frondosos pomares do pensamento responsável. Professor Espada, Senhor Comissário! Que seria do riso sem a vossa indispensável prosa?

Sem comentários: