Estando com um amigo filósofo – diga-se em passagem, rápido no drible e excelente cabeceador – à sombra de uma frondosa nogueira, bebericando um vespertino café, estando eu recostado numa plástica cadeira de esplanada em fundo de erva e muro de cal branca, confessava a minha mediterrânica impaciência com os jornais diários.
- Mas tu lês jornais? Replicou rapidamente o céptico pensador. Na verdade, leio jornais. Ainda que volte a eles, como Chico Fininho desliza da Baixa à Cantareira depois de mais chuto nas retretes. Volto, sôfrego de consolo espiritual, uma vez que já se gastou a o dominical remédio, à espera de que alguém diga qualquer coisa que se oponha: a) ao pensamento político dominante do mercado e do estado de direito; b) aos nichos de interesse que, encobertos por uma vitimização diante do monstruoso Estado Providência, vão apresentando as facturas dos seus-problemas-de-toda-a-gente.
Com efeito, troquei hoje 1 euro e 40 cêntimos pelo Jornal Público. O que nos conta o periódico? Algumas impressões sobre a crise económica – onde João Ferreira do Amaral e Luís Campos e Cunha, quais moscas já encomendadas ao criador por um sopro de Flit, ensaiam desesperadas receitas de combate, aliás, muito pouco mercadeiras e nada globalizantes –, políticos americanos no Rio de Janeiro, legislação sobre canídeos perigosos, demolição de restaurantes de praia junto a Melides – é o Portugal anos oitenta que mergulha irreversivelmente nos anais da História, bebamos, ó O´neil, uma imperial sobre “as sardinhas decapitadas no azeite”, e viva o fenomenal fim-de-semana –, as possibilidades do clube fundado Visconde de Alvalade vencer os protestantes de Glasgow e um sem número de novidades como o projecto da Câmara de Oeiras para transformar o Palácio dos Arcos num hotel (voltaremos a este anúncio mais tarde que, por hoje, já perdi anos de vida quanto baste)…
Nos costumeiros textos de opinião, os olhos deparam-se com um sinistra figura de cabeção, assinando sob o nome de Gonçalo Portocarrero de Almada. Neste momento, o caro leitor franze o sobrolho e pensa: outra vez o preconceito contra o sacerdote. Todavia, não foi essa a razão do curto circuito neuronal. Deveu-se antes a este nome que oscila entre a marca de sapatos italiana e um snack-bar de Alhos Vedros. Só depois dei pelo título do texto. “Boa Educação”. O pacífico leitor já adivinhou. Nem mais. Liberdade de aprender e ensinar. O texto trazia esta pérola como destaque: “o ensino privado é objectivamente melhor do que o público”. Contra factos não há argumentos, é um dado da sabedoria popular. Tal como o Benfica ser objectivamente o maior clube do mundo, a Rachel Weisz ser objectivamente uma das mulheres com mais presença da história do cinema, as meias brancas de algodão serem objectivamente mais indicadas para a primeira comunhão do que peúgas de lã preta ou mesmo que uma sandes mista com manteiga é objectivamente melhor do que uma sandes mista sem manteiga.
Na verdade, caro leitor, ia comentar algumas das preciosas reflexões que nos oferece o Pe Portocarrero de Almada, descendente dos Viscondes da Macieira, autor de um belo livro intitulado “os Defeitos de Maria”, por sinal apresentado na última feira do livro por Paula Teixeira da Cruz, por sinal Portocarrero é também colega de Paulo Teixeira Pinto em conferências sobre o direito e o Papa João Paulo II (os gajos conhecem-se todos, dizia um anónimo, certa vez, num concerto do teatro de Cascais), ia comentar algumas reflexões, dizia eu, mas o facto é que perdi o entusiasmo, baixei a cabeça, elogiei a derrota, e pus-me a verificar de que forma as nogueiras estendem a copa das árvores sobre o relvado, qual o modo da luz atravessar sem dor a multidão das folhas, a insustentável leveza do insecto, cuja negra e bélica carapaça reflecte o raio de luz, pus-me a verificar de que modo as evidências se confundem, ora soturnas, como o nevoeiro pela noite envolvendo a barra do tejo e afagando os cacilheiros, ora translúcidas, como as praias gregas no tempo de Homero, porque razão teremos perdido a noção de toda a verdade que havia contida num simples copo de água. Caro el_presidente, agora encoberto pela primavera, na verdade, não há conclusões, só opções. Daí que o poeta da escola técnica do Cacém tenha escrito que não há verdade, “há é gente que acerta, gente que erra”.
- Mas tu lês jornais? Replicou rapidamente o céptico pensador. Na verdade, leio jornais. Ainda que volte a eles, como Chico Fininho desliza da Baixa à Cantareira depois de mais chuto nas retretes. Volto, sôfrego de consolo espiritual, uma vez que já se gastou a o dominical remédio, à espera de que alguém diga qualquer coisa que se oponha: a) ao pensamento político dominante do mercado e do estado de direito; b) aos nichos de interesse que, encobertos por uma vitimização diante do monstruoso Estado Providência, vão apresentando as facturas dos seus-problemas-de-toda-a-gente.
Com efeito, troquei hoje 1 euro e 40 cêntimos pelo Jornal Público. O que nos conta o periódico? Algumas impressões sobre a crise económica – onde João Ferreira do Amaral e Luís Campos e Cunha, quais moscas já encomendadas ao criador por um sopro de Flit, ensaiam desesperadas receitas de combate, aliás, muito pouco mercadeiras e nada globalizantes –, políticos americanos no Rio de Janeiro, legislação sobre canídeos perigosos, demolição de restaurantes de praia junto a Melides – é o Portugal anos oitenta que mergulha irreversivelmente nos anais da História, bebamos, ó O´neil, uma imperial sobre “as sardinhas decapitadas no azeite”, e viva o fenomenal fim-de-semana –, as possibilidades do clube fundado Visconde de Alvalade vencer os protestantes de Glasgow e um sem número de novidades como o projecto da Câmara de Oeiras para transformar o Palácio dos Arcos num hotel (voltaremos a este anúncio mais tarde que, por hoje, já perdi anos de vida quanto baste)…
Nos costumeiros textos de opinião, os olhos deparam-se com um sinistra figura de cabeção, assinando sob o nome de Gonçalo Portocarrero de Almada. Neste momento, o caro leitor franze o sobrolho e pensa: outra vez o preconceito contra o sacerdote. Todavia, não foi essa a razão do curto circuito neuronal. Deveu-se antes a este nome que oscila entre a marca de sapatos italiana e um snack-bar de Alhos Vedros. Só depois dei pelo título do texto. “Boa Educação”. O pacífico leitor já adivinhou. Nem mais. Liberdade de aprender e ensinar. O texto trazia esta pérola como destaque: “o ensino privado é objectivamente melhor do que o público”. Contra factos não há argumentos, é um dado da sabedoria popular. Tal como o Benfica ser objectivamente o maior clube do mundo, a Rachel Weisz ser objectivamente uma das mulheres com mais presença da história do cinema, as meias brancas de algodão serem objectivamente mais indicadas para a primeira comunhão do que peúgas de lã preta ou mesmo que uma sandes mista com manteiga é objectivamente melhor do que uma sandes mista sem manteiga.
Na verdade, caro leitor, ia comentar algumas das preciosas reflexões que nos oferece o Pe Portocarrero de Almada, descendente dos Viscondes da Macieira, autor de um belo livro intitulado “os Defeitos de Maria”, por sinal apresentado na última feira do livro por Paula Teixeira da Cruz, por sinal Portocarrero é também colega de Paulo Teixeira Pinto em conferências sobre o direito e o Papa João Paulo II (os gajos conhecem-se todos, dizia um anónimo, certa vez, num concerto do teatro de Cascais), ia comentar algumas reflexões, dizia eu, mas o facto é que perdi o entusiasmo, baixei a cabeça, elogiei a derrota, e pus-me a verificar de que forma as nogueiras estendem a copa das árvores sobre o relvado, qual o modo da luz atravessar sem dor a multidão das folhas, a insustentável leveza do insecto, cuja negra e bélica carapaça reflecte o raio de luz, pus-me a verificar de que modo as evidências se confundem, ora soturnas, como o nevoeiro pela noite envolvendo a barra do tejo e afagando os cacilheiros, ora translúcidas, como as praias gregas no tempo de Homero, porque razão teremos perdido a noção de toda a verdade que havia contida num simples copo de água. Caro el_presidente, agora encoberto pela primavera, na verdade, não há conclusões, só opções. Daí que o poeta da escola técnica do Cacém tenha escrito que não há verdade, “há é gente que acerta, gente que erra”.
Se o leitor não desisitiu, resta a consolação de que o melhor vem sempre no fim. Com efeito, deambulando hoje mesmo pelo blogue A Educação do meu Umbigo, encontrei um post de Paulo Guinote de 30 de Dezembro de 2007. Reproduzo-o na íntegra porque julgo que vale a pena ler com atenção.
A Liberdade de Escolha - Take 73
Posted by Paulo Guinote under Educação, Hipocrisias, Liberdade?, Truques
Ainda pelas páginas do Público, que hoje parasitei a pessoa amiga durante o final do almoço, encontra-se um artigo de opinião de Gonçalo Portocarrero de Almada (alguns detalhes bio-bibliográficos aqui e aqui), Vice-Presidente da Confederação Nacional das Associações de Famílias (site em manutenção) sob o título «Boa Educação».
Em si não tem muito de especialmente notável, pois apenas repete a argumentação já conhecida sobre a necessidade da livre escolha das escolas pelas famílias, assim como a defesa indirecta dos cheques-ensino para que as “famílias” possam ir em busca das melhores escolas para os seus filhos. Embrulha isso com algumas considerações sobre os rankings escolares, mas não valeria muita atenção não fosse uma ideia que convém reter e que o jornal até usou como destaque para o texto:
«Se as escolas mais bem classificadas recebessem os piores alunos, estes, decerto, não seriam tão maus»
Lida assim esta é uma frase notável e aponta para um conceito de valor aparentemente inegável: agarremos nos maus alunos e coloquemo-los nas melhores escolas e certamente teremos melhores resultados.
Pois é.
Era lindo se o mundo fosse assim.
Mas não é e eu adianto alguns pormaiores que obstariam à generalização de tal solução:
As “melhores escolas” estão quase todas em Lisboa e no Porto. Os maus alunos, infelizmente, andam espalhados por todo o país. Não estou bem a ver como seria possível colocar em prática tal processo de transferência dos “piores alunos”.
As “melhores escolas” têm uma capacidade que julgo limitada para absorver alunos, sendo mesmo um dos seus segredos essa forma selectiva de acesso que permite um acompanhamento mais individualizado. Perante isso, gostaria de saber quantas “famílias” filiadas na CNAF estariam dispostas a que os seus educandos - caso estivessem matriculados ou em processo de candidatura nessas escolas - abdicassem do seu lugar e irem para uma “escola mediana”. Porque os “piores alunos” só o são depois de sujeitos a avaliação e, por isso, teriam de ser transferidos depois de já iniciado o seu trajecto escolar.
Parente muito próximo deste argumento é aquele que questiona quantos dos “melhores alunos” estariam dispostos a sê-lo um pouco menos, indo para outras escolas que não as melhores.
E poderia continuar a desenvolver esta linha de raciocínio por mais alguns parágrafos, não fosse por demais óbvia e perceptível por quem leu o que ficou escrito.
Eu compreendo o argumento implícito do vice-presidente da CNAF: há famílias que sentem uma sobrecarga financeira para poderem assegurar que os seus filhos frequentam as “melhores escolas” e acham justo que o Estado as compense por isso já que não recorrem à rede pública de ensino.
E deveria ser essa a posição exposta de forma clara: não queremos a escola pública, não gostamos dos valores que transmitem (é fácil consultar as posições da CNAF em matérias como o ensino religioso e a educação sexual), não queremos que os nossos impostos a paguem, devolvam-nos a quantia em causa na forma de um cheque mensal/anual.
Aceito essa forma transparente de colocar a questão. Posso não concordar com os pressupostos, mas respeito-a. É tão válida como qualquer outra, pois defende um determinado nicho de interesses da sociedade.
Agora usar o subterfúgio dos pobrezinhos dos “piores alunos” que com um cheque-ensino iriam de Ribeira de Pena, Nordeste ou da Pampilhosa da Serra (uso três exemplos retirados do ranking do DN feito com base nos exames do 12º ano) para os Colégios Mira-Rio, Cedros ou de São João de Brito e assim ficariam alunos “menos maus” é apenas um pretexto e um daqueles que usa terceiros para alcançar objectivos a que estes são estranhos.
Com efeito, ilustre leitor, com efeito. No dia 30 de Dezembro de 2007, Gonçalo Portocarrero de Almada publicou um texto intulado "Boa educação". Dia 15 de Março de 2008, Gonçalo Portocarrero publicou um texto intitulado “Boa Educação”. A pergunta é fácil: porque repete um jornal de referência um texto, quase sem alterações argumentativas, de um Cronista cujos duvidosos méritos não foram escrutinados por nenhuma instituição democrática? Talvez seja isto a chamada liberdade de informação. Deste modo, a liberdade de aprender e ensinar deve ser qualquer coisa tão bem cheirosa como esta prática de repetir temas e cronistas de três em três meses.
1 comentário:
Efectivamente...
:D
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