segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Jogo do empurra

Nos últimos dias muito se tem discutido o famoso relatório SEDES. Tem, como é evidente, o seu relativo interesse. Concorre para o debate, o que é bom. Contudo, peca no essencial, o que é mau. Pela enésima vez, o grosso da despesa vai para o “Estado” e os políticos. Parecem não estar a cumprir a sua missão. Parecem não regular o sistema.

Porém, caro leitor, talvez seja tempo de abandonar o sofá, pousar o comando da televisão, o tabuleiro de xadrez, o livro de orações, o jogging vespertino ou o relatório SEDES. O problema é mesmo nosso. De cada um e de todos. Ninguém se não a sociedade civil, em crescente endeusamento, possui a responsabilidade. A sociedade civil não salva nada. A sociedade civil é a única responsável. Isto porque não há sociedade civil em matéria de política. Os políticos e a sociedade civil são uma e a mesma coisa. Por isso há eleições. Por isso é um direito constitucional participar na vida pública, eleger e ser eleito.

Todos somos livres de não participar politicamente através de um partido. Mas já não somos livres, se todos os partidos falharem, de varrer a culpa da soleira da porta. Se os políticos estavam ali no “café” a falhar e nós nos passeávemos a caminho do concerto do Mário Laginha, então, caríssimos leitores, é tempo de enfiar o barrete.

Todos já devem ter reparado o tom de enfado que inunda as faces quando se inicia uma conversa sobre política. Já aqui referi o ilustrativo caso de Isabel Stilwell, muito enfadada com a entrevista do primeiro-ministro. A senhora tem toda a liberdade para não gostar do senhor engenheiro Sócrates e das suas entrevistas. Mas será que ao preferir o “Dr. House” não estará a assinar a sua demissão de cidadã da república? Já sei, caro leitor, pode invocar-se a “conversa” dos políticos incopetentes. Todavia, se a incompetência é assim tão manifesta, avance quem faz melhor. Já sei que o sistema não se adequa. Então, se o sistema político é mau, avance quem propõe melhor sistema. Talvez não tenha ocorrido aos portugueses que a discussão democrática se faz precisamente por esse confronto de ideias. Talvez não tenha ocorrido aos portugueses que o problema não é um excesso de política. A actual “tragédia”, escandalize-se o pacífico leitor, decorre precisamente de um défice de política. Se acha que não, lanço apenas uma pergunta: seria possível em Portugal, algo semelhante às eleições primárias dos E.U.A.? Ou se quiserem, que vozearia de indignação ocuparia a tribuna mediática se no nosso parlamento ocorresse 1/5 da beligerância verbal do parlamento inglês? Já não falo sequer dos níveis de tributação escandinavos para que os leitores não desatem a rasgar as vestes.
Penso que se justifica aqui a publicação do texto que El_presidente colocou a comentar o recente post sobre Robert Kennedy. A reflexão pertence justamente a Robert Kennedy e coloca o dedo na ferida. Fala sobre corrupção e não adopta o estratégico jogo do empurra praticado pela SEDES.
"Laws can embody standards; governments can enforce laws — but the final task is not a task for government. It is a task for each and every one of us. Every time we turn our heads the other way when we see the law flouted — when we tolerate what we know to be wrong — when we close our eyes and ears to the corrupt because we are too busy, or too frightened — when we fail to speak up and speak out — we strike a blow against freedom and decency and justice." RFK @ 1961


É verdade que vivemos em democracia representativa. Com efeito, tenho imensa pena, caros associados e adeptos da SEDES, mas o Estado «somos nós», são vocês (e se calhar mais vocês do que alguns dos actuais membros do governo). Logo o vosso discurso devia voltar-se mais para o problema da causa (os comportamentos dos portugueses) do que para a consequência (os eventuais defeitos do sistema político). Os políticos apenas nos representam. Vou repetir: os políticos REPRESENTAM. Não substituem. Se os políticos falham, é porque nós falhamos. Enquanto não percebermos isto, não há relatórios SEDES que nos valham.

Desta forma chegamos a uma dramática constatação: a SEDES apenas toca na superfície da espuma, não mergulha nas densas trevas do profundo mar.

O sistema partidário é mau? É.
Porquê? Porque os interesse privados perverteram o bem público? Porque as clientela se substituiram ao recrutamento meritocrático? Porque as decisões são afectadas por grupos obscuros? Talvez, mas tudo isto acontece porque os partidos são hidras de sete cabeças, cuspindo bolas de fogo? Não.
Acontece porque os portugueses são exactamente o mesmo que os partidos que os representam: clientes, obscuros, privados.

Solução?

Mais leitura, mais debate, mais participação. É pouco original, mas não há outro caminho.

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