Numa entrevista a um blog afecto ao jornal de Notícias, simtomáticamente intitulado “Farpas” o Magister César das Neves lançou um repto que não posso deixar de aceitar. Qual touro farpeado, refugiado junto às tábuas, vou aventurar-me em terrenos mais abertos e sujeitar-me a mais um par de bandarilhas. Daquelas douradas, pequeninas. Sabemos que o Magister, no seu belo Traje de luces encomendado em Roma, nos vota o mais profundo desprezo. Há quem diga que são baixas as nossas razões. Babamos cólera, como o touro baba a saliva do seu esforço. Quem sabe. Contudo, o animal fez-se para investir. Não pode deixar de cumprir a sua natureza. De um lado, o sacerdote com as suas crónicas. Do outro, a besta com a sua fúria irracional. O veredito final fica para a Praça, ao jeito dos velhos circos romanos, abonimados pelo Magister. Todos gostamos de escrever a nossa prosa, mas a sujeição à crítica, o nosso tempo considera-a coisa de povos bárbaros. A democracia é, na verdade, uma chatice.
Talvez esta seja uma actividade que muitos consideram vil. Investir como animal nas respeitáveis carnes de respitáveis toureiros. Acontece que o nosso toureiro é lido por milhares de jovens, utiliza a cátedra, multiplica opinião. Seria tonto querer privá-lo dessa sua actividade. Mas seria ainda mais tonto não cumprir uma tarefa clarificadora. Como o touro quando investindo em velocidade obriga os bandarilheiros e toureiros a correr e a saltar, refugiando-se nas tábuas, deixando livre os terrenos do redondel.
Há ainda uma outra razão mais obscura. A necessidade de não deixar confundir cristo com tourada.
É em vão que o touro desce à praça. Não importa, o touro acredita na razão da sua força muscular e investe contra o estoque. Para tomar balanço, que nestas coisas de tourada não se deve recusar o picanço, há que ler caro leitor, há que ler.
(Neves) Não teme ser tenebroso?
“Existe uma personagem tenebrosa chamada "César das Neves" que povoa muitos blogs e conversas por aí. Conheço-a mal porque não frequento esses meios. Mas quando ouço falar dela (como, por exemplo, através destas suas perguntas), fico sempre surpreendido com os disparates que diz. Nunca concordo com ela.”
E não é que César das Neves anda a ler o nosso blog e não dizia nada. Não lhe ocorreu que essa figura tenebrosa, embora não concorde com ela, talvez tenha sido produzida por uma coisa a que se tem chamado "erro de interpretação" e que, ultimamente, é a grande ferramenta de todo o pensamento conservador. Devo esclarecer os leitores que, numa outra entrevista, o Magister censura com violência os blogs, espaços incivilizados que propagam os instintos mais baixos dos homens. Compara mesmo este tempo de desgoverno cultural da internet com as revoluções. Talvez não lembre ao Magister que os blogs servem ao menos para esse povo – baixo, incivil e culturalmente impreparado – dizer também qualquer coisita, enquanto o povo não é convidado para crónica semanal num jornal diário.
Reduz realmente o corpo da mulher 'às duas razões mais próprias da glória feminina o encanto da virgindade e a grandeza da maternidade'?
“Quem reduz um longo e meditado artigo a uma pergunta estúpida foi a senhora.”
Note-se a autoqualificação de homem que medita longamente. A julgar pelas duas próximas respostas, o conceito de meditação longa deve aqui ser relacionado com uma fusão entre a actividade «medium» e a natação. Portanto actividade em torno de mantos azuis, muita água e visões proféticas, logo, meditação.
Deus existe mesmo só porque não é possível provar a sua existência?
“Deus existe mesmo e é possível provar a sua existência”.
Ora aí está. Eis o que se chama uma declaração bombástica. Deus existe e o Magister tem provas mas sonega-as da opinião pública. Inqualificável.
Estudou 67 aparições “e detalhadamente 36 delas”. O que o fascina na hipótese de Nossa Senhora?
“O que me fascina Nela é precisamente aquilo que fascina todos os portugueses há séculos. Em Portugal são os que não se fascinam com Nossa Senhora que têm de explicar a sua estranha atitude.”
E aqui está. Por uma vez o Magister acerta. Aceito o repto. Vou ter de explicar a minha estranha atitude, em desacordo com os milhares de portugueses, mortos e vivos, desfilando vivos pelos séculos dos séculos, passando junto da minha casa com os seus rostos hieráticos voltados para a minha vergonhosa face. Contudo, não posso explicar a minh estranha atitude com palavras pois fui neste momento alcançado por duas lagostas gigantes em levitação que me confidenciaram ter visto num prato de arroz à valenciana a libertação do Afeganistão das garras do talibans, se eu empreender três dúzias de voltas ao quarteirão em pé cochinho. Da mesma forma, expressaram com veemência que o deus se encontra muito ofendido com os pecados cometidos pelo engenheiro José Sócrates em matéria comportamental, as chamadas questões fraturantes. Recomendam, por isso, a leitura intensiva da filosofia marxista como substituição sacrificial das orações em estilo livre «joelhos sobre a brita», de forma a obtermos a reparação das nossas culpas. Como é bom de ver, quem fala com lagostas gigantes não compreende Nossa Senhora. Eis a razão da minha estranha atitude. Lagostas, demasiadas voltas ao pé cochinho e leitura de Marx. Não tenho salvação.
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