A lei do tabaco tem ocupado mais espaço do que merece. É inegável que a lei chegou, pelo menos em parte, porque os fumadores abusaram um pouco da paciência social dos não fumadores. Fumava-se em todo o lado onde, manifestamente, não era prudente que se fumasse. Plataformas do metro, espaços exíguos, até hospitais. Mas os bancos, as seguradoras, a PT, também abusam (todos os dias, sem que chegue uma lei que os meta no sítio). Acontece que com a lei do tabaco não chega apenas a protecção do fumo. Chega também um celofane contra esta sujidade imensa que é estar vivo. Há, é certo, o argumento do incómodo provocado a quem não é fumdador. O problema é que estarmos todos no mesmo espaço é incomódo. Porque uns preferem respirar o ar puro e outros respirar alcatrão, monóxido de carbono e nicotina. Assim como uns preferem ler Bento XVI, a irmã Lúcia ou Magister César das Neves e outros Marx, Foucault ou Ruy Belo. Tudo depende se preferimos ter a nicotina nos pulmões ou no cérebro. Há os bem-aventurados que não têm nicotina, nem nos pulmões, nem no cérebro. Calma. Não puxem já da pistola, perdão, do spray ambiente. Eu sei que estou a reduzir a questão. Mas são assim os lógicos, gostam de reducções e outras violências aritméticas.
Não está em causa que o tabaco é um vício que se agarra desprevenidamente pelas mais variadas razões e que nada de assinalável acrescenta à existência, para além dos problemas respiratórios. Mas esta é justamente a definição da maior parte das coisas que fazemos todos os dias (dos seguros ao trabalho dos merceeiros, da investigação em pedagogia de bolso ao vómito cimenteiro sobre o território, da medicina plástica à indústria dos enchidos, do ginásio ao marketing dos cereais fitness. Não tenho nada contra a protecção do ar ou a reprodução coerciva da vida saudável, simplesmente começo a sentir uma irresistível vontade de meter muitos cigarros na boca. Parece que mata mais depressa. Parece que tira em média dez anos. Está bem, concedo. Mas quantos anos nos tiram a ansiedade causada pelo mau planeamento do território, as discussões em torno dos baixos salários, a gordura do queijo, dos fritos, dos enchidos, da dobrada. Quantos anos, horas, perdemos em actividades inúteis, nas filas do trânsito, enquanto respiramos o saudável escape (parece que este caso a céu aberto não se inclui nos malefícios), de pé nas repartições enquanto desgastamos as articulações dos ossos (haverá estudos sobre os malefícios da religião como reducção da qualidade de vida, física e intelectual?), sentados no sofá enquanto queimamos os neurónios? Quantos anos de vida nos são retirados, pelo simples facto de estarmos vivos? Tudo isto, eu sei, pertence à liberdade de cada um. Exacto, tal como fumar. Pelo que voltamos à questão: apenas está em causa a protecção de quem não quer fumar, porque no que diz respeito a saúde, não me venham com proibições e virtudes (já disse que não me peguem no braço). Para garantir a protecção dos fumadores, proiba-se o fumo no espaço público, mas fique ao critério dos proprietários privados (empresas, cafés, lojas, restaurantes) a escolha do ar que querem ter no seu estabelecimento. Com ou sem fumadores. No caso de escolherem o fumo, basta sinalizar, sem qualquer necessidade de controlo do ar. Quanto a sindicatos, na protecçãod e trabalhadores não-fumadores. É um problema que devem negociar com a entidade patronal, tal como o salário e as férias, ou subitamente descobriram que têm direitos para não respirar fumo, mas não para impôr subidas dos salários. O sindicalismo está cada vez melhor...
Já sabemos que passamos a viver mais, a qualidade do sono, o gosto dos alimentos. Concedo novamente. Devo confessar que nem sequer sou fumador, embora, volto a dizer, me apeteça um cigarro. O problema, caro leitor, é o que vem aí. Ninguém duvide, começa a ser claro, que já vem a caminho passarada e da grossa. Algo me diz que não é a Igreja que vai passar à clandestinidade. Talvez a física teórica, a história e a filosofia passem mais depressa à clandestinidade do que a Igreja.
Tudo isto decorreu da bela prosa do Besugo, nestes dias de Prós e Contras, esse espaço sobre tudo e mais um cesto de maçãs.
“Multiplicai-vos e vivei para sempre, inenarráveis chatos, paneleiros e paneleiras do caralho. Mas a chá e a incenso não ides longe, nessa merda de viverdes saudáveis até se vos entupir a "veia da vida", uma que fica ao lado da inteligência, vós nem sabeis bem onde isso é, que não há bibliografia.
E a ficardes cá só vós, que Deus me leve de vós bem antes disso”
posted by besugo @ 3:02 PM 21.12.07, Blogame mucho
Ou se quiserem a versão mais elegante de Álvaro de Campos na Tabacaria
“E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando”
Einstein gostava de fumar cachimbo. Podia ter morrido de cancro. Podia não ter pensado sobre a relatividade. Pois é. Mas também podia não ter escolhido a ciência e ter aberto um negócio de exportação de camisolas de lã. Nem por isso deixou de poder escolher, facto que fez dele aquilo que foi. Um físico e um fumador. Além de que parece que defendia o socialismo e o planeamento da economia. Preocupava-se mais com Newton, Hume, Espinoza ou Gauss do que com o seu corpo. Sem dúvida, pertence a uma raça em vias de extinção.
1 comentário:
Caro Alf,
em resposta a tua pergunta, podes encontrar no google:
"The effects of religion and social support on self-esteem and depression among the suddenly bereaved"
http://www.springerlink.com/content/x233n28274834114/
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