Não há nenhum pensamento importante que a ignorância não saiba usar, ela move-se em todas as direcções e pode vestir todos os trajes da verdade. A verdade, porém, tem apenas um vestido de cada vez e só um caminho, e está sempre em desvantagem
Robert Musil, O Homem sem Qualidades
Rodney Stark, o autor citado pelo Magister, é o novo profeta de Deus. Afinal a questão é simples. O cristianismo (designação muito utilizada por tutti quanti mas que eu não sei o que seja) gerou o sucesso do Ocidente. Parabéns, caro leitor. Somos todos homens e mulheres de sucesso. Nas palavras de Stark, que o Magister aprova, este" sucesso do Ocidente deve-se a quatro grandes vitórias da razão. A primeira foi o desenvolvimento, dentro da teologia cristã, da fé no progresso. A segunda foi a forma como a fé no progresso incentivou inovações tecnológicas e de organização, muitas vezes apoiadas por centros monásticos. A terceira vitória foi que, graças à teologia cristã, a razão influenciou a filosofia e a prática política de tal maneira que surgiram na Europa medieval estados responsáveis com um elevado grau de liberdade pessoal. A vitória final foi a aplicação da razão ao comércio, que resultou no surgimento do capitalismo dentro dos ambientes seguros proporcionados por esses estados. Foram estas as vitórias que levaram o Ocidente a vencer. "
Não contesto. O ocidente venceu, o progresso venceu, a razão venceu, a tecnologia venceu, o capitalismo venceu. Tudo graças ao cristianismo e à crença num Deus racional (outra criatura que eu não sei o que seja).
Uma pesquisa no Google logo colocar diante do olhar estupefacto a multiplicação de textos, comentários, críticas positivas perante os livros e artigos de Stark. Entre os seus críticos contam-se uma minoria.
Descobrimos, entre outras coisas, um texto de Rodney Stark, "Fact, Fable, and Darwin" (2004) onde vemos desfilar toda a imponência criacionista de argumentos estilo…“ Nós somos muito humildes e não se pode saber nada sobre a origem do homem, logo Darwin e seus sequazes impuseram a teoria aos fracos e oprimidos do conhecimento”. Claro que, quanto às tolices históricas em torno da influência positiva de uma amálgama pastosa composta por cristianismo, Igreja, teologia cristã, comunidades cristâs primitivas, catolicismo, já podemos saber tudo e mais um saco de batatas. Et voilá, o “grande sociólogo das religiões" defende a abolição da teoria da evolução e o envio de Darwin para a gaveta. Porque será que isto não me espanta.
Sabe, caro leitor, às vezes acredito no conhecimento, na Universidade, na leitura, na capacidade de o homem discernir, pensar, avaliar, olhar para o passado, discutir sobre os factos, estabelecer o que são territórios conquistados e o que são mundos por descobrir. Mas depois assalta-me o fantasma de Darwin Nietzsche e Foucault. Então penso: não há outra coisa se não luta, “todo o ser vivo quer expandir a sua força, a própria vida é vontade de poder”.
Rodney Stark, o autor citado pelo Magister, é o novo profeta de Deus. Afinal a questão é simples. O cristianismo (designação muito utilizada por tutti quanti mas que eu não sei o que seja) gerou o sucesso do Ocidente. Parabéns, caro leitor. Somos todos homens e mulheres de sucesso. Nas palavras de Stark, que o Magister aprova, este" sucesso do Ocidente deve-se a quatro grandes vitórias da razão. A primeira foi o desenvolvimento, dentro da teologia cristã, da fé no progresso. A segunda foi a forma como a fé no progresso incentivou inovações tecnológicas e de organização, muitas vezes apoiadas por centros monásticos. A terceira vitória foi que, graças à teologia cristã, a razão influenciou a filosofia e a prática política de tal maneira que surgiram na Europa medieval estados responsáveis com um elevado grau de liberdade pessoal. A vitória final foi a aplicação da razão ao comércio, que resultou no surgimento do capitalismo dentro dos ambientes seguros proporcionados por esses estados. Foram estas as vitórias que levaram o Ocidente a vencer. "
Não contesto. O ocidente venceu, o progresso venceu, a razão venceu, a tecnologia venceu, o capitalismo venceu. Tudo graças ao cristianismo e à crença num Deus racional (outra criatura que eu não sei o que seja).
Uma pesquisa no Google logo colocar diante do olhar estupefacto a multiplicação de textos, comentários, críticas positivas perante os livros e artigos de Stark. Entre os seus críticos contam-se uma minoria.
Descobrimos, entre outras coisas, um texto de Rodney Stark, "Fact, Fable, and Darwin" (2004) onde vemos desfilar toda a imponência criacionista de argumentos estilo…“ Nós somos muito humildes e não se pode saber nada sobre a origem do homem, logo Darwin e seus sequazes impuseram a teoria aos fracos e oprimidos do conhecimento”. Claro que, quanto às tolices históricas em torno da influência positiva de uma amálgama pastosa composta por cristianismo, Igreja, teologia cristã, comunidades cristâs primitivas, catolicismo, já podemos saber tudo e mais um saco de batatas. Et voilá, o “grande sociólogo das religiões" defende a abolição da teoria da evolução e o envio de Darwin para a gaveta. Porque será que isto não me espanta.
Sabe, caro leitor, às vezes acredito no conhecimento, na Universidade, na leitura, na capacidade de o homem discernir, pensar, avaliar, olhar para o passado, discutir sobre os factos, estabelecer o que são territórios conquistados e o que são mundos por descobrir. Mas depois assalta-me o fantasma de Darwin Nietzsche e Foucault. Então penso: não há outra coisa se não luta, “todo o ser vivo quer expandir a sua força, a própria vida é vontade de poder”.
Talvez fosse interessante este "duo dinãmico", Magister e Stark, Batman and Robin, dedicarem-se a um projecto de investigação:
a) Onde terá nascido esta canção do mercado e do sucesso que, agora pela mão de Deus e de Jesus, o Cristo, tudo engole?
b) Porque será que os discursos de poder têm esta capacidade de secar toda a possibilidade de crítica? (Os textos de Stark já devem ter tido mais leitores que 150 anos de Origem das Espécies). Já sei, é a força da razão e do Deus racional que escreve direito por linhas tortas, enterrando tudo o que cheira ao mínimo trabalho de interrogação e multiplicando edições da Bíblia e onde o racionalismo germina como lagartas em galinha podre, explondido em ciência e tolerância. Platão, Aristóteles, Sócrates, Heraclito, Tácito, Eurípedes, Plínio, Cicero, Arquimedes, Pitágoras, Sófocles, Lucrécio, Séneca, Ovídio, Epitecto, Empédocles, Anaximandro, Demócrito, Anaxágoras, Epicuro, Marco Aurélio, Tales, Plotino, Hiérocles, Antístones, Zenão, Plutarco, Heródoto, Tucídides não passam de um bando de intelecutais de gabinete às voltas com a derrota, coisas sem aplicação no mercado. Esta gente devia toda ser banida do nosso ensino escolar. Entretanto, surge à direita o meu gato:
Alf, mas essa gente há três séculos que não faz parte do ensino.
E muito bem, respondo eu.
Torna o meu gato: Mas olha que sem a filosofia grega e as instituições romanas não há teologia cristã. Por isso é que os filósofos das luzes, grande parte deles cristãos com uma cultura clássica consistente, voltaram às fontes para perceber o que se tinha perdido. O resto são as lutas marcadas pelo binómio saber-poder. Em todos os tempos o saber serve o poder e o poder serve o saber. Por isso esta desorientação com a verdade. O único saber que não se deixa domar pelo poder é o silêncio. Por isso nem Sócrates, nem Cristo, talvez os dois maiores professores, escreveram o que quer que seja.
Nisto, recordo que, como escreveu um dia Yourcenar, também eu sou daqueles que reconheceram demasiado cedo a derrota, logo na juventude. Baixei os braços e a cabeça. Na bela citação da Íliada, que Yorcenar tanto amava na limpidez do mundo grego, lembrou a pergunta inicial, aquele gosto luminoso que teima em não vencer, ao contrário do cristianismo e do Ocidente; o gosto de perguntar mais do que responder: “Filho do magnânimo Tydeo, porque te informas sobre a minha linhagem? As raças dos homens são como as das folhas”. Talvez se reconheça aqui a pergunta, indiferente e desmotivada de Pilatos, a pergunta sem resposta, permanecendo sem resposta, ensombrando o sucesso do cristianismo e do Ocidente: “O que é a verdade?”
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