In Público
15.12.2007, José António Cerejo
A tese da acusação, que o juiz considerou consistente, é a de que o autarca se serviu das suas funções para enriquecer ilegalmente
"Caricatas." É como o juiz qualifica as alegações de que a fortuna de Isaltino teria origem na sua ex-sogra a Isaltino Morais depositou entre 1993 e 2002, só nas suas contas da Suíça e nas da sua ex-secretária, quase quatro vezes mais dinheiro do que declarou ter ganho no exercício das suas funções. E o IRS que devia ter pago e não pagou nesse período ascende a cerca de 630 mil euros - lê-se no despacho judicial que esta semana o pronunciou, para posterior julgamento, pelos crimes de participação económica em negócio, corrupção passiva, branqueamento de capitais, abuso de poder e fraude fiscal.
A tese central da acusação do Ministério Público (MP), que o juiz de instrução subscreve no seu despacho de 126 páginas, é a de que o fio condutor da acção de Isaltino como presidente da Câmara de Oeiras foi a procura do enriquecimento ilícito. Desde o início dos anos 90, diz o texto, o autarca "formulou o propósito de orientar a sua actuação com vista a obter" benefícios e valores "indevidos" junto dos promotores imobiliários e construtores do concelho.
Com esse objectivo, refere o despacho, trocou muitas vezes a aprovação de projectos de duvidosa legalidade, mesmo contra os pareceres dos serviços camarários, por quantias em dinheiro, que lhe eram entregues pesssoalmente pelos empresários, ou por apartamentos e outros bens, a preços inferiores aos do mercado.
Para além de João Algarvio e Mateus Marques, ambos acusados de corrupção activa neste processo, aparecem igualmente nos autos indícios de favores prestados ao principal arguido por outros construtores como Tomás Fernandes de Oliveira, Tomás Fialho de Oliveira (filho do anterior), Evaristo e José Marques Esteves.
O caso de João Algarvio resume-se na execução gratuita de grande parte da moradia que Isaltino possui no concelho de Castro Marim e na entrega de um cheque de 4000 contos (20 mil euros) em troca da aprovação de dois edifícios que violavam as normas em vigor. Tanto Algarvio como Isaltino alegaram que as obras foram pagas pela sogra do autarca, já falecida, e que o cheque se destinava a pagar uns quadros que o primeiro teria comprado ao segundo. O perito consultado avaliou, no entanto, o aobra em 500 contos, refere o juiz, notando contradições entre os depoimentos e conclui que os indícios justificam o julgamento.
Já Mateus Marques, da empresa Girmaco, terá conseguido, em 2001, que Isaltino desembargasse, sem base legal para o fazer, as obras de um condomínio na Quinta da Giribita, dias antes embargadas. Em troca, diz a acusação, comprometeu-se a vender-lhe por um preço especial uma fracção do empreendimento. Isaltino chegou a pagar 76 mil euros, sem ter sido fixado o valor final do negócio. Já depois da publicação das notícias sobre as contas na Suíça, em 2003, o então ministro do Ambiente veio a desistir do negócio, tendo-lhe sido devolvido o sinal.
Mateus Marques terá compensado Isaltino logo a seguir, facilitando-lhe a aquisição de um Audi A8 S, por um valor muito baixo, sem que ele fosse posto em nome do novo dono. O veículo valia 41.550 euros, o autarca pagou 35 mil e seis meses depois vendeu-o por 60.000. E a quem o vendeu? A um outro construtor civil, precisamente Tomás Fialho de Oliveira, cujo pai, entretanto falecido, lhe deveria grandes favores.
Segundo a acusação, Isaltino terá conseguido, após repetidas recusas da Comissão de Coordenação da Re-gião de Lisboa e Vale do Tejo e pareceres contrários dos seus serviços, que o então secretário de Estado da Administração Local, Pereira dos Reis, viabilizasse, em 1993, a urbanização da Quinta de São Miguel dos Arcos, em Paço de Arcos. Como recompensa reservou-lhe um dos lotes do condomínio, com valor superior a 200 mil euros, e pagou-lhe o projecto de arquitectura da moradia que ali queria construir. "Há mais de nove anos, desde 1998, que a sociedade Tomás de Oliveira tem mantido reservado o lote 21 para o arguido Isaltino Morais, sem que este tenha assumido qualquer encargo, e ainda custeou o projecto de arquitectura, tudo em cumprimento do anteriormente acordado entre o falecido Tomás Fernandes de Oliveira e este arguido", diz a acusação. O projecto custou pelo menos 17.400 euros e foi apreendido pela PJ em casa de Isaltino.
Mas se nestes e noutros casos os favores terão sido retribuídos em géneros, em muitos outros os pagamentos seriam feitos em dinheiro. Só assim se justificarão, tal como confirmam algumas testemunhas, as entregas regulares de envelopes com notas e moedas que Isaltino faria aos seus mais próximos colaboradores para depositarem em diversas contas. De acordo com as conclusões do MP, Isaltino depositou entre 1993 e o final de 2002, na Suíça e nas contas da sua antiga secretária, um total de um milhão e 312 mil euros em numerário. Os seus vencimentos como autarca e ministro atingiram, nesse mesmo período, 351 mil euros. "Sendo certo que, para além daquelas [funções], o mesmo nunca declarou exercer qualquer outra actividade remunerada", sublinha o despacho.
15.12.2007, José António Cerejo
A tese da acusação, que o juiz considerou consistente, é a de que o autarca se serviu das suas funções para enriquecer ilegalmente
"Caricatas." É como o juiz qualifica as alegações de que a fortuna de Isaltino teria origem na sua ex-sogra a Isaltino Morais depositou entre 1993 e 2002, só nas suas contas da Suíça e nas da sua ex-secretária, quase quatro vezes mais dinheiro do que declarou ter ganho no exercício das suas funções. E o IRS que devia ter pago e não pagou nesse período ascende a cerca de 630 mil euros - lê-se no despacho judicial que esta semana o pronunciou, para posterior julgamento, pelos crimes de participação económica em negócio, corrupção passiva, branqueamento de capitais, abuso de poder e fraude fiscal.
A tese central da acusação do Ministério Público (MP), que o juiz de instrução subscreve no seu despacho de 126 páginas, é a de que o fio condutor da acção de Isaltino como presidente da Câmara de Oeiras foi a procura do enriquecimento ilícito. Desde o início dos anos 90, diz o texto, o autarca "formulou o propósito de orientar a sua actuação com vista a obter" benefícios e valores "indevidos" junto dos promotores imobiliários e construtores do concelho.
Com esse objectivo, refere o despacho, trocou muitas vezes a aprovação de projectos de duvidosa legalidade, mesmo contra os pareceres dos serviços camarários, por quantias em dinheiro, que lhe eram entregues pesssoalmente pelos empresários, ou por apartamentos e outros bens, a preços inferiores aos do mercado.
Para além de João Algarvio e Mateus Marques, ambos acusados de corrupção activa neste processo, aparecem igualmente nos autos indícios de favores prestados ao principal arguido por outros construtores como Tomás Fernandes de Oliveira, Tomás Fialho de Oliveira (filho do anterior), Evaristo e José Marques Esteves.
O caso de João Algarvio resume-se na execução gratuita de grande parte da moradia que Isaltino possui no concelho de Castro Marim e na entrega de um cheque de 4000 contos (20 mil euros) em troca da aprovação de dois edifícios que violavam as normas em vigor. Tanto Algarvio como Isaltino alegaram que as obras foram pagas pela sogra do autarca, já falecida, e que o cheque se destinava a pagar uns quadros que o primeiro teria comprado ao segundo. O perito consultado avaliou, no entanto, o aobra em 500 contos, refere o juiz, notando contradições entre os depoimentos e conclui que os indícios justificam o julgamento.
Já Mateus Marques, da empresa Girmaco, terá conseguido, em 2001, que Isaltino desembargasse, sem base legal para o fazer, as obras de um condomínio na Quinta da Giribita, dias antes embargadas. Em troca, diz a acusação, comprometeu-se a vender-lhe por um preço especial uma fracção do empreendimento. Isaltino chegou a pagar 76 mil euros, sem ter sido fixado o valor final do negócio. Já depois da publicação das notícias sobre as contas na Suíça, em 2003, o então ministro do Ambiente veio a desistir do negócio, tendo-lhe sido devolvido o sinal.
Mateus Marques terá compensado Isaltino logo a seguir, facilitando-lhe a aquisição de um Audi A8 S, por um valor muito baixo, sem que ele fosse posto em nome do novo dono. O veículo valia 41.550 euros, o autarca pagou 35 mil e seis meses depois vendeu-o por 60.000. E a quem o vendeu? A um outro construtor civil, precisamente Tomás Fialho de Oliveira, cujo pai, entretanto falecido, lhe deveria grandes favores.
Segundo a acusação, Isaltino terá conseguido, após repetidas recusas da Comissão de Coordenação da Re-gião de Lisboa e Vale do Tejo e pareceres contrários dos seus serviços, que o então secretário de Estado da Administração Local, Pereira dos Reis, viabilizasse, em 1993, a urbanização da Quinta de São Miguel dos Arcos, em Paço de Arcos. Como recompensa reservou-lhe um dos lotes do condomínio, com valor superior a 200 mil euros, e pagou-lhe o projecto de arquitectura da moradia que ali queria construir. "Há mais de nove anos, desde 1998, que a sociedade Tomás de Oliveira tem mantido reservado o lote 21 para o arguido Isaltino Morais, sem que este tenha assumido qualquer encargo, e ainda custeou o projecto de arquitectura, tudo em cumprimento do anteriormente acordado entre o falecido Tomás Fernandes de Oliveira e este arguido", diz a acusação. O projecto custou pelo menos 17.400 euros e foi apreendido pela PJ em casa de Isaltino.
Mas se nestes e noutros casos os favores terão sido retribuídos em géneros, em muitos outros os pagamentos seriam feitos em dinheiro. Só assim se justificarão, tal como confirmam algumas testemunhas, as entregas regulares de envelopes com notas e moedas que Isaltino faria aos seus mais próximos colaboradores para depositarem em diversas contas. De acordo com as conclusões do MP, Isaltino depositou entre 1993 e o final de 2002, na Suíça e nas contas da sua antiga secretária, um total de um milhão e 312 mil euros em numerário. Os seus vencimentos como autarca e ministro atingiram, nesse mesmo período, 351 mil euros. "Sendo certo que, para além daquelas [funções], o mesmo nunca declarou exercer qualquer outra actividade remunerada", sublinha o despacho.
1 comentário:
Isaltino vai a julgamento; muito bem, para isso é que os tribunais servem.
Mas, por enquanto, só o julgamento político está ao alcance do cidadão.
Vou usar esse direito, não relativamente a Isaltino (o que cuido ter um interesse duvidoso), mas relativamente a todo o nosso sistema de administração local - não há dúvida que abortou...
Como poderiam as coisas ser melhores, sabendo nós que não há soluções perfeitas?
Alguém quer pensar nisso, conjuntamente comigo?
Vitor Correia
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